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Visitas das sombras


Da série inicial de vinte e um artigos:

- Texto 10 -

“O poder verdadeiro e absoluto, só Deus o tem. As criaturas da Terra têm de estar cientes de uma coisa: acima das culminâncias do poder mundano, existem o poder, a justiça e o incomensurável amor de Deus”[1] 
Paranhos

 

Muitas são as obras espiritualistas que já nos demonstram os desafios que as iniciativas de serviço junto ao Senhor da Luz enfrentam. Situações difíceis, delicadas e constrangedoras, em muitos casos, se revelam no cotidiano dos tarefeiros. A dimensão espiritual das sombras também se mobiliza para que sejam freadas - senão abortadas - as práticas de esclarecimento geral. Irrequietos com a mobilização dos espíritos da Luz, alguns irmãos que teimam em seguir pelo caminho obscuro fomentam perseguições e dificuldades para os que se encontram, encarnados ou não, sobrecarregados com peso de suas próprias emoções e pensamentos. Aqui, vemos o quanto estender os braços para ajudar, ou socorrer com uma boa palavra, ou abraçar com o coração são recursos indispensáveis, os quais, por sua vez, também são atacados, como forma de minar o início da superação emocional dos consulentes.

Os que vivem mergulhados na dor das trevas, apesar de estarem sofrendo profundamente, angustiados, com dúvidas e conflitos aparentemente insolúveis, guardam, alguns deles, grandes recursos intelectuais que visam a manutenção desta dor em outros espíritos. Sofrem ao ver a felicidade genuína, desacreditam da superação, propagam seus devaneios com o hábito da indiferença ou da crueldade. Muitas são as formas que utilizam para tentar perturbar o trabalho do Mestre porque anseiam pelo comando, pelo poder, julgando a si mesmos como chefes, comandantes, líderes, etc. Nas palavras de Hermínio Miranda, grande escritor espírita, esse é um perfil de espírito desencarnado que é

acostumado ao exercício da autoridade incontestada, é arrogante, frio, calculista, inteligente, experimentado e violento. Não dispõe de paciência para o diálogo, pois está habituado apenas a expedir ordens e não a debater problemas, ainda mais com seres que considera inferiores e ignorantes, como os pobres componentes de um grupo de desobsessão. Situa-se num plano de olímpica superioridade e nada vem pedir; vem exigir, ordenar, ameaçar, intimidar. Tais dirigentes são ágeis de raciocínio, envolventes, inescrupulosos, pois o poder de que desfrutam não pode escorar-­se na doçura, na tolerância, na humildade, e sim na agressividade, na desconfiança, no ódio. (Miranda, 1976, p 79).

O aspecto sisudo ou carrancudo que esses irmãos apresentam durante suas comunicações em centros - que não são tão frequentes quanto alguns possam pensar, justamente porque não são seres executores dos mandos, mas sim aqueles que os enviam, na verdade é uma forma de tentar ocultar a aflição imensa que sentem por estarem nessa condição. Em um diálogo, dificilmente falam de si, mesmo porque, ainda de acordo com Hermínio Miranda (1976), isso acarretaria em uma fragilização da energia pesada que projetam sobre todos os participantes em uma comunicação mediúnica, e isto implicaria, ainda mais adiante, em uma abertura emocional, a qual criaria um campo propício para uma sintonização emocional de renovação, abrindo o horizonte espiritual para o arrependimento ou para o remorso, que a todo custo tentam evitar.

Por esta e por outras razões, naquela semana, a preocupação de Lúcio, colaborador que estava a fazer a palestra durante a reunião pública em nossa casa, não era para menos. Vimos em sua forma de olhar para o horizonte que aquele tratamento seria muito desafiador. Uma atmosfera incômoda parecia circundar o ambiente do centro. Certamente estávamos diante de um trabalho incomum. O nosso irmão palestrante, porém, quando entrevia a sombra que vigiava a movimentação precisa de seus gestos e palavras, prosseguiu firme no verbo esclarecedor, junto à comunidade. Falava ele sobre as lições do Grande Messias, e percebia que, entre os que assistiam à palestra, havia uma pessoa que exalava uma energia profundamente inquietante, e era justamente uma irmã médium que estava em franca sintonia com o mandante que pertencia a um lugar que fazia lembrar um grande calabouço - uma região de grande flagelo – situada, aparentemente, em um espaço pertencente às trevas. Mais tarde, terminada a palestra, quando todos já estavam na sala de desobsessão, entendemos a extensão do desafio que se aproximava, pois tanto um comparsa - que veio no primeiro momento - quanto o próprio mandante espiritual, se conectaram à distância através da paciente, a qual, por sua vez, estava em estado de quase completa possessão. A situação específica era muito delicada para intervenção direta dos colaboradores encarnados. À primeira tentativa de diálogo, testada por dois irmãos dialogadores, foi possível perceber o quanto ele tinha entendimento sobre os princípios e passagens do evangelho. Forjado na experiência de muitos séculos, chegava até a completar as frases que surgiam sobre o Evangelho Segundo o Espiritismo, ou mesmo das passagens bíblicas do Novo Testamento. Quando os médiuns se juntavam para orar por ele, realizava as preces junto com a equipe que tentavam o encaminhar - sem sucesso - e gargalhava do empenho simples que os amigos tentavam empregar em auxílio à médium. O curioso desse processo é que sequer o irmão estava presente em espírito a subjugá-la, pois, através de estranha tecnologia colocada sobre o aparelho fonador dela, apenas controlava à distância, seus gestos, falas e posturas, além do próprio conteúdo magnético que emanava das mãos e da boca dela, as quais projetavam espécies de “raios perturbadores” no ambiente. Diante desse quadro, arregaçando as mangas em prol da paciência e da fraternidade, todos entendemos o quanto é extraordinário o Amor Divino, que nos faz aprender com tantas experiências, mesmo as mais difíceis e constrangedoras. Dizemos isso pois o ser passava a explorar abertamente, naquele instante, os erros e dificuldades íntimos de cada colaborador que tentasse dialogar diretamente com seu coração, apontando as dificuldades emocionais, expondo e constrangendo cada pessoa que sentava a sua frente para conversar.

Após alguns instantes desafiadores, onde muito desprendimento magnético era utilizado para cada tentativa de conversa fraterna com esse espírito, ele deixou-nos, sob o aviso de que retornaria em momento oportuno. E isso aconteceu. No encontro seguinte, sete dias após, ele reapareceu, deixando transparecer, ainda com maior intensidade, a raiva que tinha de cada voluntário e da atividade que a casa estava desenvolvendo. De tal forma a médium infeliz se deixou envolver por suas energias que o nosso irmão se deleitou no comando de sua voz e pensamentos durante horas.

Um dos irmãos que também perseguia o grupo, aproveitou o ensejo da médium e começou a fazer cobranças a respeito de situações em que, no passado não muito remoto, foi ferido profundamente em uma encarnação, em um país europeu, durante o período das inquisições da Igreja Católica Romana. Segundo ele, alguns de nossos amigos colaboradores da casa faziam papéis de inquisidores, e ele teria sido queimado vivo. Seu ódio e sentimento de vingança, desde aí, infelizmente só foi aumentando, o que culminou, até então, em investidas constantes ao desenvolvimento do trabalho de renovação pelo evangelho de Jesus. O que era um revide pessoal passou a degenerar em investidas sanguinárias contra o trabalho coletivo. Neste ponto, estava ficando mais evidente ainda para o grupo de encarnados o quanto o desespero e aflição estavam tomando de conta daqueles que ainda tentam se albergar na ambientação sombria do astral.

A situação prosseguiu por mais um dia de tratamento quando, apresentando-se à sala de tratamentos espirituais, esse mandante espiritual de uma região de sofrimento enviou um outro comparsa, na medida em que sondava a mente de cada paciente e colaborador, tentando insuflar a ideação de violência e desordem. Tentou ainda confundir as mentes dos irmãos, tecendo elogios a uns e comparando-os com os demais. Estudou o quanto pôde as inclinações de cada pessoa, no sentido de tentar verificar o acervo de culpas e vergonhas que poderíamos ter. Várias tentativas de manipulação, diversas técnicas de engodo que ele acabou por utilizar. Projetou realidades pela fala, emanou pensamentos de fragmentação para o grupo, fomentou a divisão entre os trabalhadores, chegando ao ponto de lançar, no astral, um objeto perfurocortante na região torácica do irmão Ax. Cada um uniu o que tinha de melhor no coração para tentar oferecer a ele, mas, ao que parecia, precisaríamos mesmo do auxílio grandioso do tempo e do aprendizado através dos milênios para uma renovação emocional em nosso amigo, que se posicionava tão distante de forma proposital. Ele, por sua vez, estava situado em zonas de confusão mental no Umbral – o qual atualmente se encontra em plena desconstrução, devido a atuação da espiritualidade superior - porém, aquele que lhe era anterior no comando, estava assentado em região inicial de densas trevas, a qual, graças a Deus, também está sendo tocada pelos primeiros raios de sol.

Pessoas de grande conhecimento, porém, obscurecidas pelo rancor e pelo desejo incessante de vingar-se, apesar de não transparecerem isso em suas fisionomias, estão ligados a estruturas antigas de feitiçaria, uns pela subserviência, outros pela ilusão do mando, do poder, outros pelos vícios. Por isso, somente aqueles da Alta Hierarquia Celeste poderiam atuar diretamente no epicentro do caso, cabendo-nos tratar humildemente aqueles outros atrelados ao mesmo ideal infeliz.

Após posicionarmos a irmã médium em sofrimento ao centro, a irmã Lia, colaboradora da casa, conseguiu descobrir o artefato colocado na paciente. Assim, ante os pedidos sinceros dos corações amigos ao Conselhos dos Anciãos da casa, foi possível perceber a presença de um ser que emanava uma luz dourada e tinha um coração acolhedor, que aportou sobre o astral superior do templo.

Uma luz começa a envolver a irmã médium. Todos os presentes sentem um alívio gradual de sensações pelo corpo. O irmão que a controlava começa a ser afastado. Um processo de cura mais profundo estava iniciando.  Imagem do Cantinho dos Anciãos gerada por I.A
Uma luz começa a envolver a irmã médium. Todos os presentes sentem um alívio gradual de sensações pelo corpo. O irmão que a controlava começa a ser afastado. Um processo de cura mais profundo estava iniciando. Imagem do Cantinho dos Anciãos gerada por I.A

Um dos encarnados passou a receber as impressões diretas do ser luminoso. Era um instrutor indígena que, a partir dali, estaria realizando o tratamento. Primeiramente, ele fez um isolamento energético, esmagando miasmas astrais e aterrando os elementos. A cada aterramento de energias que fixava no chão, um fluxo de reparo desenlaçava às falanges que a prendiam. Depois, com muita proeza e sacrifício, retirou o aparelho. Todos buscavam manter o pensamento firme no propósito do bem. Mais um avanço era observado nos caminhos da Luz.

Ao chegar o quarto encontro com a médium desequilibrada, experiência que gerou certa apreensão nos trabalhadores, já era possível perceber quanto o trabalho da Luz é um eterno estender de mãos para fazer levantar os caídos. Quando ela aportou a sala, diferente se apresentava era a sua aura. Em lugar de destruição e domínio, via-se um semblante mesclado de leve de serenidade e uma certa apatia, o que é muito natural, levando em consideração o conjunto de acontecimentos que a levou até ali.

Quando se deitou sobre a maca, na sala de tratamentos espirituais, de forma emocionada, após alguns poucos espasmos resultantes das últimas tentativas deles de reimplantar um outro objeto em sua garganta - logo suprimidos pela equipe espiritual aliada aos encarnados - relaxou, descansando os braços sobre o acolchoado lateral da maca, deixando-se voar serenamente pelo pensamento, acalmando a tensão nos ombros e em sua coluna vertebral.

Depois de alguns minutos, ainda com os olhos fechados, arrematou, emocionada, sem saber de onde viam as palavras que saíram de sua boca:

— Hoje esta casa receberá a visita de Nossa Senhora!

A essa altura, com palavras de gratidão mútua, percebemos o quanto a continuidade da cooperação pelo bem pode ser uma frente definitiva de serviços para a transformação de nós mesmos. Aquela etapa do tratamento estava encerrada.


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Raul César

Equipe Cantinho dos Anciãos


Notas:


[1] Instrução do benfeitor Paranhos a Juliano, na colônia espiritual “Nova Aurora”. (Lúcio, 2019, p. 30)


Referências:


LÚCIO, Antonio. Cidade Fraterna. Araras, SP, 1° ed, IDE, 2019. (Espírito Luciano Messias).

MIRANDA, Hermínio C. Diálogo com as sombras: teoria e prática da doutrinação. 1 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1976.


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