Seguindo adiante: fraternidade e união à serviço do Bem.
- Raul César

- 14 de out.
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Da série inicial de vinte e um artigos:
- Texto 11 -
Quando, porém, aquele que vier - o Espírito de Verdade - vos guiará em toda a Verdade, pois não falará de si mesmo, mas falará o quanto ele ouvir, e vos anunciará o que há de vir.[1]
Jesus

Dentro de uma dinâmica de serviço no Bem, as reformulações de conceitos, vontades e interesses das pessoas vão a pouco e pouco se modificando para melhor, ao menos essa é a tendência, de acordo com a Lei de progresso. Não à toa que alguns filósofos da antiguidade, quando se referiam ao desenvolvimento das virtudes no ser humano, apontavam a importância da depuração do gosto, da sublimação do que mais se quer. Os nossos impulsos morais, exemplos claros deste querer intrínseco do espírito em evoluir suas boas qualidades, nos impulsiona a pequenos acessos ao mundo interior, devassando a característica da criação consciente em si e além.

De acordo com a filosofia de Platão, os elementos fundamentalmente necessários para o desenvolvimento integral de uma pessoa eram o conhecimento, a sabedoria, a virtude, a ética. Desenvolver a alma, que é imortal, era a chave para mudanças significativas (Platão, 2000). De acordo com o célebre discípulo de Sócrates, era possível o homem compreender a natureza e a si mesmo. A participação na política e na sociedade, por meio de uma responsabilidade ética na interação entre as pessoas, também era um ponto importante no aprimoramento dos seres humanos. Podemos dizer, de certo modo, que o aprimoramento do próprio planeta está diretamente ligado a cada ação nossa no cotidiano, e que as ínfimas atitudes podem reverberar em consequências de grande alcance (Hammed, 2003).
Em consonância com essa visão da imortalidade da alma, a jornada de volta ao corpo é como um rememorar constante do mundo que ela deixou, da vida que desfrutou quando detinha consciência mais ampliada sobre a própria realidade. Por isso, em um determinado momento histórico no caminho das civilizações, os homens recebem impulsos evolutivos e acabam sendo impulsionados para cima ou para fora dessas renovações. É efeito da transição planetária, um instante no qual alguns vão podendo desfrutar de uma maior liberdade de ação enquanto outros vão perdendo certos direitos de decidir o próprio futuro. (Miranda, 2008) Poderia, então, o amigo leitor se questionar a respeito do senso de liberdade nessa hora, mas é bom recordar que a liberdade plena de escolher ainda não é praticada em todo o seu alcance, pois que também é levemente constrangida a uma sequência de alterações que lhe estimulam novos padrões de ação, movendo os agrupamentos de serviço para círculos diferentes de aprimoramento moral e intelectual.
Vamos observar esse raciocínio no Livro dos Espíritos, na questão 826:
Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade? Nas do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta. (Kardec, 2019, p. 372).

Percebemos, assim, o quanto a liberdade – de forma geral - ainda não é plenamente praticada, afinal de contas, quantas vezes nos vemos realmente a sós? E, além disso, será que sozinhos conseguimos livremente cogitar tudo o que é justo para nossa evolução espiritual? Essas perguntas seriam somente para refletirmos a respeito da importância do aprimoramento do coletivo para a melhoria de cada um. Por que exercermos a nossa “total liberdade” nos afastando de tudo, quando podemos mergulhar no oceano profundo do auxílio mútuo entre todos os irmãos e seguirmos adiante, com a força luminosa de coletividades inteiras? Essa pode ser uma experiência de diálogo interior e exterior muito significativa, tendo em conta que as escolhas de menor repercussão são tão importantes quanto aquelas que envolvem maiores consequências.
Quando nos sentimos impelidos à prática do bem, esse impulso não provém de nenhuma abstração mental, mas de inteligências extrafísicas superiores às nossas aliadas a nossa vontade espiritual de auto-desenvolvimento; por isso é que vemos, gradualmente, os ideais do bem formarem certos arranjos, organizarem-se de maneira mais significativa em nosso mundo. É a inspiração tomando forma material. É a utopia se materializando. É, por esta razão, a força do mundo ideal flutuando massivamente sobre a realidade concreta.
Diante disso, vemos a vontade dos seres se manifestarem quando cocriam e dão força às formas mentais específicas para a Luz. Isto acontece em todas as grandes revelações que chegam até a humanidade por meio da espiritualidade. Tomemos o exemplo do reverendo Moon[2]. Ele, ainda jovem, sonhou com um templo que pudesse servir as pessoas, iniciando sua construção no corpo de uma montanha, com a presença de pequenos cursos d'água que passavam dentro daquela choupana que mais parecia um santuário, com tocos de árvore como bancos para as pessoas assistirem às exposições sobre o evangelho de Jesus e paredes improvisadas. Este ideal, fomentado por outras mentes beneméritas, ampliou-se significativamente, resultando em uma grande estrutura religiosa central, com muitas outras que lhes sucederam em diferentes países.

Isto ocorreu inicialmente no bairro Bóm Il, onde atualmente faz parte da Coréia do Sul. Era, na época, um lugar não muito atrativo para se morar, porque se tratava de um extenso vale com muitas rochas (Moon, 2012). Havia um grande morro neste lugar, que se situava em um espaço próximo a um cemitério público, chamado de Bóm Net Kol, onde foi construído, pelos esforços hercúleos de Sun Myung Moon e seu grande amigo Won Pil Kim, esse casebre. A estrutura acanhada foi erguida por detrás de um rochedo e, no meio de um dos cômodos, havia uma grande rocha, que ali já era utilizada como apoio para os pouco móveis. Quando acontecia uma reviravolta no clima e a torrente chuvosa se apresentava, a água corria e jorrava por dentro e formava-se um pequeno riacho que, segundo as palavras do próprio irmão, tornava o “quarto muito poético” (Moon, 2012, p. 126). Sentia-se, o bondoso oriental, como um amigo da natureza, integrando-se a ela, expressando harmonia com os seus elementos. Atualmente, a Igreja da Unificação já está presente em vários países, inclusive no Brasil, realizando atividades de promoção de educação para a paz e para a fraternidade.[3]
Assim, também fica claro o mesmo movimento de fraternidade, quando houve a constituição de uma frente ampla de irmãos tendo em vista o bem comum, com a fundação do Templo da Boa Vontade (TBV), localizado em Brasília. O santuário foi sendo erguido por vários que se dedicaram ao ideal de servir as pessoas sem uma bandeira definida, senão a do diálogo amoroso, da fraternidade. Segundo um dos fundadores deste santuário,
[...] quando falamos na união de todos pelo bem de todos, alguns podem atemorizar-se, pensando em capitulação de seus pontos de vista na enfadonha planura de uma aliança despersonalizada, o automatismo humano deplorável. Não é nada disso. Na Democracia, todos têm o dever (muito mais que o direito) de — honestamente (quesito básico) e com espírito de tolerância — enunciar seus ideais, sua maneira de ver as coisas. Entretanto, ninguém tem o direito de odiar a pretexto de pensar diferente, nem viver intimidado pela mesma razão. (Netto, 1987, p. 160) apud (Netto, 2018).

Um ambiente fraterno, baseado nos princípios universais do amor como o Mestre Jesus ensinou, sempre acolhe, orienta e fortalece todas as boas iniciativas, avançando e retirando todas as barreiras que impedem essa aproximação, que exala sempre irmandade e respeito mútuo. Os templos são como os braços do Rabi da Galileia, sempre abertos para abraçar a amar os que se aproximam.
De modo semelhante, quase um século antes, vimos este movimento de fraternidade se fundamentar, no seio da Doutrina Espírita, quando o instrutor de almas, Allan Kardec e também todos os seus companheiros em ideal cristão, organizaram princípios espirituais que ultrapassavam e muito a ortodoxia majoritária dos templos religiosos da época e elegeram a caridade como uma forma mais sublime de ascender ao Reino dos Céus:
A máxima — Fora da caridade não há salvação — é a consagração o princípio da igualdade perante Deus e da liberdade de consciência. Tendo essa máxima por regra, todos os homens são irmãos e, qualquer que seja a maneira por que adorem o Criador, eles se estendem as mãos e oram uns pelos outros. (Kardec, 2014, p. 205-206).
Aqui fica firmado o ideário amplo de tão valiosas contemplações, um elogio claro à fraternidade universal. Todos os espíritos, em maior ou menor grau, estão aprendendo novas lições, expandindo o seu mundo interior e exterior, estão, portanto, matriculados em escolas com muitas características diferentes, mas muitas delas firmadas sobre a base fundamental da caridade.
Aqui estão somente alguns exemplos, tendo em conta que as dimensões da vida e os propósitos de cada um estão sempre entrelaçados a objetivos de aprendizagem e fortalecimento da consciência espiritual. As ideias surgem para seguirmos adiante, para se fazer avançar o propósito do Bem, da Luz Suprema.
Desta forma, a proposição de uma casa que possa acolher a todos os espíritos sem distinção é uma proposta que considera a universalidade como seu pressuposto básico, por isso mesmo, todos os preconceitos e intrigas, melindres e egoísmos, sectarismos e conservadorismos devem ser deixados para trás, sem ignorarmos a Lei Divina ou Natural. Os espaços que misturam as sombras e luzes estão diminuindo cada vez mais.[4] É certo que as individualidades não precisam se perder, porém, esse esforço moral para eliminarmos as barreiras religiosas é uma chave de compreensão para o porvir dos agrupamentos, sobretudo durante a regeneração de nosso planeta.
Aqui lembramos um episódio que aconteceu em uma tarde, quando todos nos reunimos para pôr termo à intervenção junto aos pacientes, um benfeitor espiritual tomou a palavra e descreveu alguns pontos pertinentes aos que ouviam:
— Lembrem, meus irmãos, que os momentos mais fortes estão chegando. Hoje[5] foi somente uma amostra das coisas que estão para acontecer. Muitos pedirão ajuda e precisarão de cada um, mas, devem lembrar que isto exige a responsabilidade de vocês. Tudo o que pedirem lhes será dado se souberem aproveitar para o bem. Alguns, mais adiante, até dirão que não receberam, mas não é verdade, porque essas coisas foram negadas em seus próprios corações. Atentem para isso. Alguns ficarão no caminho, esses não serão julgados, pois também receberão um benefício correspondente, mas, quanto a vocês, adentrem na nova senda.
Estamos lendo aqui um recado ao emocional de cada um dos colaboradores da Hierarquia da Luz, pois sequer isto se refere somente ao trabalho em um Pronto Socorro Espiritual, mas a todas as pessoas que se interessem por tudo o que não pertence a este mundo. As equipes são todas convidadas a repensarem os próprios afazeres de seu cotidiano, restabelecendo o equilíbrio em todas as esferas da vida comum. Não deixemos que avance a tempestade para somente depois fechar as portas e janelas que protegem a casa interna. Mantenhamo-nos distante do ideal de divisão interior, que acontece quando uma parte anseia pela superação enquanto a outra parte se debruça sobre as perdas do espírito.
Quando nos distanciamos das nobres verdades - que são atemporais - quando mal interpretamos as mensagens eternas, eis aí o início da separatividade, o que, em muitos casos, resulta no afastamento dos devotados seguidores da Luz, e isso, aos poucos, vai degradando a construção do próprio bem no mundo. Os distanciamentos emocionais dizem respeito à separação do ser da própria fonte que o alimenta. Essa a indiferença voluntária se caracteriza pela elaboração individual de reflexões que são verdadeiros simulacros da realidade, sem uma base verdadeira, isto é, artificiais. Esse contraste é uma energia autogerada que provém da ideia de separação, forçosamente engendrada na ilusão do espírito - força atuante e inteligente - imprimindo nas muitas camadas da realidade, uma perspectiva separatista, individualista, presunçosa ou somente ignorante sobre a natureza real das coisas.
Todo edifício detém uma base, que deve ser firme para sustentar bem as suas etapas seguintes. Cada um constrói edifícios e pontes a partir dessa base, outros podem construir muros e cercas, embelezando as estruturas de seu “prédio” com os adornos e formas que que julguem mais adequadas. Mas a verdade é que as ideias nobres, as revelações, surgem para seguirmos adiante, para as enriquecermos de forma simples e amorosa, sempre partindo de uma visão de bem comum a todos. Tudo deve passar pelo crivo da razão, mas também do coração, bases fundamentais para um equilíbrio genuíno diante dos conhecimentos espirituais. Assim como o percebeu o emérito codificador, quando asseverou a importância do caminhar para a divulgação dos conhecimentos espirituais, a partir de um esforço constante e prático, que traduza o fluxo constante da própria revelação. Afinal, no traçar de um roteiro de viagens que realizou, para além da própria França, chegando pessoalmente a cidades belgas, destacou firmemente que:
“se trabalhei muito e se trabalho todos os dias, estou largamente recompensado pela marcha tão rápida da Doutrina, cujos progressos ultrapassam tudo quanto seria permitido esperar, pelos resultados morais que ela produz.” (s/d, p. 91).
O trabalho não é separado, nem estático, mas unido em ideais amplos de ação e sempre em um continuum de atividades que levam a resultados morais, os quais tornam vivos os ensinamentos de nosso Senhor.
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Raul César
Equipe Cantinho dos Anciãos
Notas:
[1] Evangelho de João (16:13-14) Dias (2016, p. 450).
[2] Sun Myung Moon, foi o fundador da Igreja da Unificação que, segundo os fiéis, seria a presença do Consolador prometido por Jesus Cristo, revelado ao povo coreano que, naquela época, ainda não tinha sido dividido em coreanos do norte e do sul. Segundo os cálculos do reverendo Moon, o Paracletos haveria de vir entre o final do século XIX e início do século XX, sobre o planeta. O nome inicial desta denominação, de acordo com o seu fundador, era “Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial” (p. 132) e o motivo para tal nomenclatura seria o fato de que havia a pretensão desse conhecimento não pertencer a nenhuma ramificação de igreja, pois muito menos havia a pretensão de que se formasse uma nova religião a partir daí. (Moon, 2012).
[3] Atualmente, a Igreja da Unificação, no Rio Grande do Norte, realiza projetos sociais de caridade junto as pessoas em vulnerabilidade social na Zona Norte de Natal. É presidida pelos irmãos Edivan Ribeiro e Robespierr Silva.
[4] O Grande Mestre se referiu a esses templos, alertando para o problema que acumulam quando se falou das consequências da construção de uma casa dividida (Mateus 12:25).
[5] O irmão se referia aquela tarde de tratamentos, pois tinha sido demasiadamente exaustiva para muitos.
Referências:
DIAS, Haroldo Dutra. O Novo Testamento. 1° ed. Brasília: FEB, 2016.
HAMMED (Espírito). Os prazeres da alma. [psicografado por] Francisco do Espírito Santo Neto. Catanduva, SP: Boa Nova Editora: 2003.
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo: com explicações das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida. [Tradução de Evandro Noleto Bezerra da 3 ed. francesa, revista, corrigida e modificada pelo autor em 1866]. - 2 ed. Brasília: FEB, 2014.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: filosofia espiritualista / recebidos e coordenados por Allan Kardec; [tradução de Guillon Ribeiro]. – 93. ed. – 8. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2019.
MIRANDA, Manoel Philomeno de (Espírito). FRANCO, Divaldo Pereira (Psicografado por). Transição planetária. Salvador, BA: LEAL, 2008.
KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862. 2° ed. São Paulo: O Clarim: S/D.
MOON, Sun Myung. Um Cidadão do Mundo que ama a Paz. 6° ed. São Paulo: Parma Gráfica e Editora Ltda. 2012.
NETTO, Paiva. Vencendo as diferenças. Revista: O norte de Minas. publicado em 27 de Ago 2018.
PLATÃO. A República. 2° ed. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda, 2000.




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