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O Sibilar dos Ventos

– Texto 01 –

– Elementais, Elementos e Encantados –

Imagem Pixabay por Angels04.

“Nunca é o mesmo, o som do vento. Às vezes ele sopra, outras vezes grita, assobia, assobia. Quando é Mistral e desce das montanhas da Córsega grita arrogantemente. Quando desliza entre as rochas de Caprera soa como o apito de uma flauta, longo e agudo. O golpe do Scirocco no Arquipélago é leve, mas traiçoeiro, cheio de areia e água. Na Sicília, ruge violentamente. O Grecale é uma lâmina afiada de frio, silenciosa como a neve, o Libeccio sibila cheio de mares agitados e gemidos. No oceano, os ventos alísios fazem o som da respiração profunda das baleias. Quando um sopro de vento chega na calma plana, parece o sussurro de um amado. Quando começa a soprar, primeiro, uma rajada de vez em quando e depois contínua e imparável, parece uma carga tocada por um tambor.”[1] - Omero Moretti


Quantas vezes fomos capazes de parar por um momento, ao sentirmos o vento doce da manhã, que levava os aromas do orvalho e das flores? Quais foram os momentos em que lembramos de agradecer o frescor de uma brisa ao aliviar o cansaço de nossos caminhos? E em que momentos, a origem e o destino de uma corrente de vento, chamando como um assobio, nos fez refletir sobre emoções do passado e pensamentos futuros? Essas reflexões nos levam a percepções cada vez maiores sobre o universo de conhecimentos, sensações e dimensões que se abrem diante de nós ao experienciarmos o sentir e o ouvir a natureza. E, aqui, mais em específico, o Vento. Então:


“Agora, pare por um momento e escute o Vento. Quando ele chega vem peneirando, sibilando, mudando, ao suspirar e sussurrar, mas nunca a parar. Ao lufar não somos nós o referencial, ele, e novamente ele, se movimenta e se eleva bruxuleante. Parece uma dança de sons, de sussurros e assobios, que hora se aproximam, hora se distanciam, se alternando em ecos de contidos aplausos ou vozes silenciosas. O silêncio, repentino, apenas prepara uma gradual ascensão desta sinfonia de movimentos e ritmos peculiares. Um intenso farfalhar de folhas, galhos e ramos termina num sonoro rugido que manifesta sua presença no balançar e no trepidar das árvores. Nos sons brancos elevados e rodopiantes como o burburinho de milhares de pássaros ou dançarinos, ou ainda, de sufis dervixes em místicos êxtases astrais.  É, assim, de forma quase sobrenatural, todavia, que o sol, oscila gentil, no brilho intermitente do seu cintilar num lago, com tons de verde esmeralda, que a brisa, docemente, encerra seu encanto até renovar as suas forças em um novo sibilar dos ventos” - Ruan Fernandes.


De fato, a poesia das palavras nos aproxima da magia enredada nos profundos mistérios da natureza. O divino pode ser facilmente reconhecido através das dimensões majestosas, as quais, podemos perceber, desde as sutilezas dos pequenos movimentos, sons e detalhes, em um único bioma, até a grandiosidade de um ecossistema planetário.


No Psithurism (do grego ψιθυρίζω, psithurízō ,“sussurro”), uma expressão antiga que compreende o som do farfalhar das folhas ou do vento nas árvores traz a contemplação dessa experiência grandiosa e revela que o vento não é somente o ar ao nosso redor se movendo de acordo com as leis mecânicas do universo. Este mesmo vento é o próprio espírito da velha terra, da ancestralidade, dos Elementais, Elementos e Encantados e das energias dimensionais que povoam ao nosso redor expressando-se em formas pensamento e formas sentimento. O ar dos ventos pode incorporar sabedoria e justiça como quando manifesta o prenúncio de mudanças e transformações em nossas vidas, principalmente, para aqueles que sabem ouvir, conhecem e amam a energia dos ventos. 


Imagem do pixabay por MythologyArt.

Na antiga Tradição druídica, a vida é um círculo ou uma espiral que perpassa continuamente as Eras e as Vidas, de todos nós, repetidas vezes. Todos deveriam buscar o equilíbrio entendendo, primeiro, sua origem na fonte primordial, isto é, a base de nossa existência, a Natureza. Ligar a vida pessoal à fonte primordial presente na Natureza é se reconectar espiritualmente com nós mesmos. Pois, a dimensão originária da Natureza é a Espiritualidade em todas as suas dimensões.


Não por acaso, o desenvolvimento dos ensinamentos daqueles ou daquelas que tem o conhecimento do carvalho[2], os Druídas e Druidisas, desenvolveram os seus conhecimentos em harmonia com os ensinamentos da natureza. Um desses centros de estudo e aprofundamentos, dentre muitos locais, foi na ilha de Ynis Môn, no galês antigo Ynys y Cedairn (Ilha do Povo Corajoso), atualmente, Anglesey, e sua extensão interligada por um estreito de maré, Ynys Gybi (Ilha Sagrada), onde próximo fica, Ynys Seiriol, a Grande Rocha. Nessas ilhas, se concentrou, por muito tempo, os conhecimentos místicos passados por cânticos filosóficos, fórmulas de magia e encantamentos interligados com as dimensões da natureza.


Imagem pixabay por ArtSpark

Dessa Tradição druídica citamos, uma das principais referências quanto ao “Saber ouvir a natureza”, os Druidas Filid ou Magos Brancos. Eram reconhecidos pela comunicação com o cosmos, isto é, com a espiritualidade e a magia antiga.  No seu árduo processo de formação iniciática,[3] conhecer a energia Cósmica, significava entender os fluxos, as interações e as inteligências por trás do véu de cada dimensão. Dentre essas inteligências estão os Elementais, Elementos e Encantados. Desses fundamentos e grandiosos conhecimentos druídicos pouco restou e quase nada em termos de registros se sabe nos dias atuais. Além, é claro, de vários sítios arqueológicos intrigantes, espalhados em várias ilhas, de grandiosas rochas erguidas e postadas em organizações denotando, segundo os estudiosos, estruturas que funcionavam como observatórios dos astros a céu aberto.


De fato, entender como os druidas alcançaram tais percepções e conhecimentos sem os instrumentos, aos quais, nos servimos atualmente e sem considerarmos os fundamentos dos mistérios, isto é, os canais e portais de comunicação e orientação espirituais que balizaram integralmente os seus percursos pelas dimensões da natureza, é sem sombra de dúvida, negligenciar e, até mesmo, fechar portas de conhecimentos maiores. Portanto, aqui, já cabe uma outra pergunta. Se somos capazes de analisar o Ar em sua composição química dos elementos[4] e se somos capazes de sentir e entender a mecânica da física dos Ventos, também, seríamos capazes de compreender a essência do “Saber ouvir”, a natureza do Vento, como diziam os antigos e vermos além da objetividade desta dimensão física?


Para começar a responder essa indagação podemos, talvez, nos inspiramos no filósofo e espiritualista, Leonard Boff, ao argumentar que nas culturas Andinas, como os Quéchuas e Aimaras, a percepção desenvolvida, ao longo do tempo, foi entorno do “ouvir”, diferentemente da nossa, que se estabeleceu no entorno do “ver”. É óbvio que todos veem, mas se aprimorou, de forma singular, o “saber ouvir”, e, assim, escutar as mensagens singelas daquilo que veem. Nas palavras de Leonard Boff:


“O camponês do altiplano da Bolívia me diz: “eu escuto a natureza, eu sei o que a montanha me diz”. Falando com um xamã, ele me testemunha: “eu escuto a Pachamama e sei o que ela está me comunicando”. Tudo fala: as estrelas, o sol, a lua, as montanhas soberbas, os lagos serenos, os vales profundos, as nuvens fugidias, as florestas, os pássaros e os animais. As pessoas aprendem a escutar atentamente estas vozes. Livros não são importantes para eles porque são mudos, ao passo que a natureza está cheia de vozes. E eles se especializaram de tal forma nesta escuta que sabem, ao ver as nuvens, ao escutar os ventos, ao observar as lhamas ou os movimentos das formigas o que vai ocorrer na natureza.”

Imagem Instituto Humbolt


Ainda em terras Andinas, mais especificamente, na Colômbia, o biólogo colombiano, Mauricio Álvarez, de Bogotá, observa que:


“Quando você aprende a ouvir a natureza, ela se torna viciante. É muito bonito porque você pode ver e sentir os sons: o da manhã ou o da noite, o dos pássaros, o do mundo que canta” [...] “Cada som conta a história biológica do ecossistema e seus animais [...] Poderíamos saber muitas coisas.”

O biólogo viajou para diferentes regiões do país e começou gravando sons de pássaros. Contudo, aos poucos, o “Saber Ouvir a Natureza” permitiu ao pesquisador ir além e perceber uma riqueza de sons, de conhecimentos e vidas ainda maior. Em suas palavras:


“Quando você faz a gravação, no início você só ouve uma ou duas coisas, mas com o tempo você percebe que existem muitas outras: grilos, água, folhas, vento, sapos, humanos — sons que transmitem informações fundamentais, como por exemplo se um ecossistema sofreu intervenção humana ou não, ou se pertence a uma área mais alta ou mais próxima do mar”.

Assim começou o arquivo sonoro do Humboldt, o maior da América Latina, com mais de 30 mil sons de fauna e ecossistemas. O arquivo contém registros de espécies e paisagens naturais sonoras de cerca de 551 localidades dos principais ecossistemas colombianos, predominantemente dos Andes, Caribe, Orinoquia e Amazônia, além de 30 departamentos. Se a natureza corresponde a essa grandiosa biblioteca viva ao nosso redor e, ainda, ao portal de entrada para a nossa essência primordial é, necessário para o ser humano, buscar integrar-se cada vez mais com os conhecimentos e, principalmente, com as experiências que o ajudem nessa integração.


Imagem Chefe indígena Ts'ial-la-kum.

Não muito longe das terras Andinas, de forma semelhante, as culturas nativas da América do Norte entendem, profundamente, a partir de suas Tradições ancestrais, que o Vento é parte de um todo integrado, jamais separado, pois a harmonia é inspirada por essa integração. Tal percepção mais profunda, sobre a natureza e a consciência ecológica, é compartilhada em um texto do Chefe indígena Ts'ial-la-kum, hoje mais conhecido como Chefe Seattle das tribos Suquamish e Duwamish, da região onde encontra-se, atualmente, a cidade de Seattle. O texto é uma resposta ao presidente dos Estados Unidos, em 1854, que na ocasião, havia feito a proposta de compra de grande parte das terras indígenas, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra região (reserva). Nas palavras de Ts'ial-la-kum


“Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.”


O Vento, sob a perspectiva dessa Tradição, é antes de tudo compreendido como um irmão. Um irmão que é um mensageiro do sopro da vida por onde suas correntes e lufadas de Vento alcançam. Nas palavras de Ts'ial-la-kum


“O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro – o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro.”


Esses ensinamentos clamam, em muitos aspectos, pelas demandas por experiências em vivenciar esses conhecimentos, caso contrário, poderiam se perder na superficialidade e na comodidade presente em nossas sociedades atuais. Já tão distantes em comunicação e interação com a natureza por decorrências de muitos fatores, como: a locomoção diária para o Trabalho; a arquitetura urbanística não biofílica, isto é, que não incorpora a natureza; ausência de políticas públicas para o bem-estar que favoreçam a integração com a natureza, dentre outros.


Imagem Pixabay por CharmianGaffneyArt

A natureza se cria e se renova por si mesma, desde o princípio, em nosso extraordinário planeta. Ela não depende de nós para existir e se desenvolver. Sua alquimia manifesta múltiplas ações continuamente. Nós é que precisamos e recorremos a natureza quando precisamos nos refazer. Se observamos, com atenção, tudo é orgânico e se move produzindo harmonia nos dois polos, tanto da ordem para o caos e vice-versa, em trocas renovadas por uma nova harmonia, um estado de equilíbrio dinâmico.


Então, apenas se permita experienciar o Sentir, pois, o Sentir é antes de tudo, vivenciar para entender, para melhor compreender, os movimentos e os sentidos que a sabedoria da natureza expressa ao se comunicar com suas próprias formas. Ao Sentirmos, aos poucos, nos integramos com os canais que a natureza possui para se comunicar entre seus reinos, em contínuos movimentos, mesmo que não percebamos inicialmente. Um bom exemplo são os ventos que levam para longe o ar viciado que nós respiramos e trazem até nós o ar puro, com bastante oxigênio, tão importante para o nosso organismo.


Se permita sentir e ouvir mais o Vento e se surpreenda com a transformação dessa linda alquimia da vida nos primeiros toques das correntes de vento e deixe que os sons antigos ecoem vibrantes na ressonância de suas transmutações em seu interior.

 


Mae'r Un Hynafol yn atseinio yng Nghylch Mawr y greadigaeth ddwyfol; Yn y canol, mae'r bod yn teimlo'r golau; ar y ffordd y mae yn clywed doethineb y Dderwen Fawr.

“O Ancião ressoa no Grande Ciclo da criação divina; No meio, o ser sente a luz; no caminho ouve a sabedoria do Grande Carvalho.”



Gratidão ao Grande Carvalho

Gratidão aos Mestres Anciãos


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Amor, Luz e Paz Sempre!

Salve a Grande Luz!


Ruan Fernandes

Equipe Cantinho dos Anciãos


 

Referências:

BOFF, Leonardo. Outro paradigma: escutar a natureza. Leonardo Boff. Disponível em: < https://leonardoboff.org/2011/12/26/outro-paradigma-escutar-a-natureza/. > Acesso em: 12/08/2024.

DAVIES, Edward. The mythology and rites of the British Druids. London: Printed for J. Booth, Duke-Street, Portland, 1809.

WOLFE, Amber. Druid power. Woodbury, Minnesota, EUA: Llewellyn Publications. 2004.

WOLFF, Elias;  MATIELLO Suzana Terezinha. Espiritualidade ecológica para a humanização da “casa comum - Aproximações a partir do cap. VI da Laudato Si. Revista de Cultura Teológica – PUC/SP. Ano XXVIII - Nº 96, Maio/Ago, 2020, 25pags.


Notas:

[1] “Non è mai uguale, il rumore del vento. A volte soffia, altre urla, fischia, sibila. Quando è Maestrale e scende dalle montagne della Corsica urla prepotente. Quando si infila tra le rocce di Caprera sembra il fischio di un flauto, lungo e acuto. Il soffio dello Scirocco in Arcipelago è leggero ma infido, carico di sabbia e di acqua. In Sicilia ruggisce violento. Il Grecale è una lama tagliente di freddo, silenzioso come la neve, il Libeccio sibila carico di mare grosso e lamenti. In oceano l’Aliseo fa il rumore del respiro profondo delle balene. Quando un alito di vento arriva nella calma piatta sembra il sussurro di un amante. Quando inizia a soffiare, prima una raffica ogni tanto e poi continuo e inarrestabile, sembra una carica suonata con il tamburo.” - Omero Moretti.


[2] Aqueles que chegam a maturidade druídica do carvalho é porque alcançaram um níveis mais elevados de consciência, pureza e sabedoria na vida terrena e nas dimensões físicas e espirituais da natureza.


[3] Aos Druidas Filid eram concedidos os poderes e status de sacerdote, juiz, curandeiro, conselheiro e Poeta/cantor. Não acreditavam em adivinhações do futuro, mas sabiam o que resultaria como colheita de um plantio ruim. Sua evolução permeando os estágios iniciáticos de um Druida para que chegasse à 1ª classe como um mago branco, consistia em duras provas de vida e morte onde, acreditava-se, o Sacerdote morria e renascia várias vezes ao longo dos anos e provas por quais passava. Não se acreditava que morressem, pois tinham uma consciência de morte como passagem para o estágio seguinte da evolução. No entanto, o Druida Filid era aquele que não mais voltaria a encarnar, já que se tornaria um ancestral divinizado que intercederia pelos "vivos" ativando a energia Cósmica.


[4] A composição do ar, isto é, a sua disposição química na atmosfera corresponde aos diferentes gases que permanecem flutuando ao redor da terra em razão da força da gravidade. São muitos os elementos químicos que compõem o ar da Terra, contudo os principais são o Nitrogênio e o Oxigênio. A ordem de ocupação geral pode ser dispostas da seguinte forma: 1) Nitrogênio com 78% da atmosfera; 2) o oxigênio com 21%; e 3) Todo o restante ocupado pelo Gás Carbônico (1%) e pelos Gases Nobres (0,03%), compreendidos por elementos como argônio, criptônio, hélio, neônio, radônio e xenônio.

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