ALLAN KARDEC: UM SÁBIO DRUIDA
- Raul César
- 2 de fev.
- 20 min de leitura
A humanidade não deve transgredir, sob o ponto de vista evolutivo, as regras colocadas como base da vida universal. Para compreender a menor parte desta vida universal é preciso desenvolver a sua vontade, seu desejo de se elevar para o ideal, penetrar-se de um banho fluídico puro e regenerador.
Allan Kardec[1]

Breve contexto da França no Século XIX
A França do século XIX, marcada por vários eventos históricos emblemáticos, revelou a Europa da época uma derrota gradual de sua aristocracia fundiária, isto é, a destituição da nobreza rural e seus domínios a partir do gradual e conflituoso processo de ascensão dos centros urbanos, das cidades e da força de um sistema econômico que estava tomando forma, como era o caso do capitalismo. Cada uma dessas etapas foram minando os domínios dos donos de terras e do comércio vigente, que detinha características feudais. Todo esse processo aconteceu devido, por um lado, as escolhas humanas, mas também revelavam um período de profundas transformações espirituais, tendo a espiritualidade da Luz agido muito sobre determinados contextos e fenômenos sociais da época. Com a declaração dos direitos do homem e do cidadão, que foram resultados da revolução francesa de 1789, os privilégios dos senhores feudais e todo o conjunto de privilégios dos homens e mulheres “nobres” foram sendo minados, de modo que as pessoas, em teoria, passaram a ser consideradas de igual modo, ou seja, tendo os mesmos direitos. A tudo isso devemos o esforço conjunto de espíritos que interagiam com as forças políticas no sentido de se pensarem em modelos que considerassem determinados avanços para meio social, os quais preparariam as mudanças educacionais que adviriam sobre a França e toda a Europa, logo a partir da geração seguinte.

Essas mudanças históricas traziam consigo uma percepção mais abrangente do direito e da igualdade entre os homens. Liberdade, Igualdade e Fraternidade seriam princípios fundamentais deveriam nortear a verdadeira revolução que aconteceria sobre a descendência do povo gaulês, que era a revelação do Espírito da Verdade, o qual aportaria seus emissários sobre o velho continente, especificamente a partir de uma equipe de encarnados que viria sobre o mundo. Esse foi o caso daqueles que deveriam preparar os caminhos - Napoleão Bonaparte e seus confrades - para os ensinamentos de seu professor, Allan Kardec. Uma verdadeira onda educacional, política e social de renovação do planeta estava batendo nas portas da Europa. Estava nascendo a alvorada de um novo tempo.
A preparação do caminho por um de seus iniciados
No capítulo XXII da obra “A caminho da Luz”, o benfeitor espiritual Emmanuel, através da mediunidade cristalina de Chico Xavier, escrevendo sobre o contexto da Revolução Francesa, tratou especificamente a respeito de uma figura tida como emblemática no contexto do século XIX, que foi um soldado corso chamado de Napoleão Bonaparte, que era filho de uma família simples. Ele viria a tomar o comando material sobre as coletividades, na região da França, para iniciar um conjunto de reformas que viriam beneficiar a muitos. As mais altas expectativas e olhares do mundo espiritual estavam voltados ao que aconteceria sobre a Europa. Um ex imperador romano, como era o caso dele - agora renovado pelo compromisso com Jesus - acharia um bom termo para equacionar problemas sociais e econômicos que aquele povo estava enfrentando. Cada detalhe foi minuciosamente projetado para que tudo pudesse sair da melhor maneira possível, de forma que aquele servo do Cristo, banhado nas cascatas da Luz Eterna, reafirmasse os princípios aos quais estava atrelado pelo compromisso ético e pelo coração. Com o passar dos anos, na medida em que se desenrolaram os acontecimentos dramáticos daquele período, o jovem aprendiz crescia em conhecimento e força, recordando, de forma inconsciente, a responsabilidade que lhe cabia junto aos outros que lhe partilhariam a missão. Todavia, na medida em que a Revolução Francesa se expandia por várias regiões para além da França, também se propagavam os empecilhos, nascidos dos pequenos pensamentos e atitudes que afetariam o desenrolar dos acontecimentos. Ainda segundo o autor espiritual, a história de Napoleão I está
igualmente cheia de traços brilhantes e escuros, demonstrando que a sua personalidade de general manteve-se oscilante entre as forças do mal e do bem. Com as suas vitórias, garantia a integridade do solo francês, mas espalhava a miséria e a ruína no seio de outros povos. No cumprimento da sua tarefa, organizava-se o Código Civil, estabelecendo as mais belas fórmulas do direito, mas difundiam-se a pilhagem e o insulto à sagrada emancipação de outros, com o movimento dos seus exércitos na absorção e anexação de vários povos.” (Xavier, 2011, p. 100).
A questão é que Napoleão, agora com o coração desviado de seu propósito original, desencadeou processos que afetariam também o porvir da missão de seu instrutor espiritual. Afinal, estava ele a serviço de seu mestre de caminhada, e também como um emissário de Jesus[2], pois seria aquele a estabelecer os princípios e ideais de fraternidade sobre uma parte considerável do mundo ocidental, renovando conhecimentos antigos e que se tornariam as novas bases morais e éticas para o progresso do povo da Europa. Várias foram as situações que demonstraram a dificuldade de Napoleão em se manter a altura de tamanho mandato, tendo ele, inclusive recebido vários avisos dos benfeitores espirituais para que pudesse rever determinadas atitudes e tomadas de decisão com relação ao modelo de governo “absoluto” que estava se tornando a revolução, o qual - diga-se de passagem - a própria revolução que ele comandava lutava contra.[3]

Alguns anos antes desses detalhes tristes da história, naquele que seria o último mês do ano de 1799, durante uma noite silenciosa de sono reparador, algo profundo e transformador estava para acontecer. O corso revolucionário estava sendo preparado para um encontro inesquecível no astral, que mexeria com as fibras mais íntimas de seu coração, uma visita de seu orientador espiritual, que já demonstrava um progresso moral e intelectual extraordinário, pois já era um verdadeiro mestre a direcionar as questões centrais que se desdobraram sobre o velho continente naqueles anos de turbulências, mas também de novas aspirações[4]. O irmão espiritual Humberto de Campos revelou que estavam reunidos, em uma grande assembleia, grandes vultos da humanidade, figuras respeitáveis iriam presenciar aquele momento histórico ao qual ele foi convidado a contemplar:
No deslumbrante espetáculo da Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas, achavam-se Sócrates, Platão, Aristóteles, Apolônio de Tiana, Orígenes, Hipócrates, Agostinho, Fénelon, Giordano Bruno, Tomás de Aquino, S.Luis de França, Vicente de Paulo, Joana D’Arc, Tereza d’Avila, Catarina de Siena, Bossuet, Spinoza, Erasmo, Mílton, Cristóvão Colombo, Gutenberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante Alighieri para mencionar apenas alguns heróis e paladinos da renovação terrestre; e, em planos menos brilhantes, encontravam-se, no recinto maravilhoso, trabalhadores de ordem inferior, incluindo muitos dos ilustres guilhotinados da Revolução, quais Luís XVI, Maria Antonieta, Robespierre, Danton, Madame Roland, André Chenier, Bailly, Camile Desmoulins, e grandes vultos como Voltaire e Rousseau. (Xavier, 2013, p. 93).
Certamente que muita expectativa preenchia o ambiente de energias sublimes e luminosas, aquele que iria recordar o compromisso assumido de outras tantas vidas, agora estaria diante de uma nuvem de testemunhas, para cumprimento claro desses propósitos ante seu mestre de caminhada. Uma personalidade, diante de tantos que ali abrilhantaram o espaço para a consagração dessa iniciativa junto a Napoleão logo se destacou, era aquele que orientaria todo o processo com relação a posteridade para o povo francês. Nas palavras do irmão X:
Dentre todos, no entanto, um deles avultava em superioridade e beleza. Tiara rutilante brilhava-lhe na cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de atração e doçura. Na destra, guardava um cetro dourado, a recamar-se de sublimes cintilações... Musicistas invisíveis, por meio dos zéfiros que passavam apressados, prorromperam num cântico de hosanas, sem palavras articuladas. A multidão mostrou profunda reverência, ajoelhando-se muitos dos sábios e guerreiros, artistas e pensadores, enquanto todos os pendões dos vexilários arriaram, silenciosos, em sinal de respeito. (Xavier, 2013, p. 94).
O autor espiritual ainda afirma que, o impacto geral da assembleia ante a sabedoria e amor que tamanho ser trazia, descompassava o coração de Napoleão e fazia-o estremecer em reverências àquele senhor, chegando às lágrimas a escorrerem de seus olhos como as águas fúlgidas do rio Senna ao desaguar no canal da Mancha. Tamanha era a impressão que a cena lhe causava, que levantou da cadeira que lhe foi reservada e, com dificuldades, caminhou em direção ao seu mestre direto, e se ajoelhando diante dele, que trazia um báculo dourado em uma de suas mãos, pediu-lhe a orientação para as decisões a serem tomadas. Ante a expectativa de todos, o celeste missionário, com muita naturalidade, deu um sorriso e ergueu do chão o seu pupilo, abraçando-o com amizade. Quando isto aconteceu, um outro evento marcou a visão do público, o teto do salão que estavam dilatou-se de tal forma que pareceu se abrir, enquanto uma voz enérgica e doce desceu das hostes celestiais, como um silvo forte dos ventos, lhe exclamou, de maneira que todos ouviram. A essa altura, o ex César que já se extasiava de alegrias e pavores de forma simultânea, ouviu:
Irmão e amigo ouve a verdade, que te fala em meu espírito! Eis-te à frente do apóstolo da fé, que, sob a égide do Cristo, descerrará para a Terra atormentada um novo ciclo de conhecimento... César ontem, e hoje orientador, rende o culto de tua veneração, ante o pontífice da luz! Renova, perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!... (Xavier, 2013, p. 94).
A Grande Voz ainda mencionou de forma respeitosa, que haviam ali a testemunhar o momento especial, combatentes de todas as épocas da história humana. Retratou patriotas que lutaram com ele, tanto em Roma quanto na Gália, irmãos que o acompanharam em diferentes conflitos, todos a surpreendê-los com simpatia e admiração. Alertou-o do compromisso de seu espírito com a pequena ilha, para restaurar, pela lei do carma, o que ele mesmo havia feito contra os povos que ali vivam em tempos remotos, quando, acreditando ser descendente dos deuses, ordenou aos seus comandados muitas coisas, dizimando povos inteiros, dominando-os e constrangendo as dores angustiosas ante o constrangimento que passaram.
Aqui jaz um dado curioso, que é o fato de que, de acordo com Léon Denis (2016), o Império Romano, tido por alguns como sendo a raiz da qual surgiram os povos da Europa, na verdade, não foram senão os invasores do Norte, aqueles que, pelo peso de sua ignorância, dizimaram justamente os gauleses, os celtas, que são os verdadeiros pais do povo francês, assim como da Bretanha, do País de Gales e da Escócia.
Provavelmente, a missão de Napoleão também estava atrelada a algum nível de resgate sobre aquela região, a qual, em outro momento, foi também vítima do regime que ele comandava quando encarnou como Júlio César.[5]
Esse momento marcaria um investimento profundo dos benfeitores para o bom cumprimento de missão destinada ao servidor, preparando os caminhos para seu professor. Como já sabido, porém, no ano de 1804, Napoleão não conseguiu transpor essa barreira própria devido aos seus mergulhos intermitentes nas sombras da perseguição e do fratricídio a todos os outros povos. Já obscurecido em sua necessidade de poder, acabou sendo deposto do trono ao qual julgava ser dono. Foi preso posteriormente e depois e levado em prisão de exílio para a Ilha de Santa Helena, no Oceano Atlântico, o que, segundo os espíritos, foi uma forma misericordiosa encontrada pelos mestres da humanidade para que ele não sofresse coisa pior, vindo a desencarnar com 51 anos, no ano de 1821. Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que poderia servir como mola propulsora para tantas outras renovações poderia ter se tornado o lema no qual as reformas educacionais profundas que poderiam acontecer mais adiante tomassem a força necessária para um dirimir profundo da ignorância dos homens a respeito das Leis Eternas. Uma reforma educacional completa, firmada nos princípios do Espírito, sob a bandeira do Cristo Cósmico.[6]
Mesmo com tantos empecilhos e desafios resultados de uma missão parcialmente frustrada, neste mesmo ano o solo francês pôde testemunhar um bebê que chorava a anunciar a sua chegada entre os encarnados, dando prosseguimento aos combinados da espiritualidade. Renascia o respeitável instrutor espiritual.
O renascimento e a vida de um instrutor espiritual
A história do Druidismo antecede o legado do Espiritismo. Os frutos que caem fartos da árvore kardecista também foram nutridos a partir da raiz do Derwyddoniaeth[7], totalmente invisível por estar abaixo do solo.
Espírito Nolando
Nascido em 03 de outubro de 1804 , na cidade de Lyon[8], o professor Hippolyte-Léon Denizard Rivail, filho de Jean-Baptiste Antoine Rivail, que trabalhava como Juiz na cidade e Jeanne Louise Buhamel[9], aportava ao mundo para dar prosseguimento à uma missão de revelação pelo Espírito da Verdade. Apesar de sua família ter muitas pessoas ligadas à magistratura, o Jovem Hippolyte tinha uma inclinação natural à educação e à filosofia, chegando a se destacar nos estudos desde muito cedo, de maneira que desenvolveu formação no Castelo-escola de Pestalozzi em Yverdon-les-Bains, Suíça, tendo ele mesmo fundado um instituto com base nos conhecimentos pestalozzianos em Paris. Durante um certo período, realizou esforços para as atividades de tradução, de produção de gramáticas e outros tratados de natureza didática e científica, sendo notável poliglota e pesquisador. A questão é que, mesmo com todos esses atributos intelectuais que o fariam assentar-se no cômodo trono da pesquisa em educação formal, não se permitiu reduzir seu conhecimento a isso. Convidado pela espiritualidade para tarefas ainda maiores, entregou-se, desde cedo, ao estudo do magnetismo, que era um grande movimento de natureza científica da época. (Sausse, 2022).
O espírito científico deste célebre irmão era notável. O respeito profundo pelas abordagens mais lógicas era algo que caracterizava muito a forma que ele tinha de tratar os fenômenos espirituais. Essa questão fica clara quando lemos o elogio posterior que ele faz ao estudo e prática do magnetismo humano, que conhecia desde os 19 anos de idade:
O magnetismo preparou o caminho do Espiritismo, e o rápido progresso desta última doutrina se deve, incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas não há mais que um passo; tal é sua conexão que, por assim dizer, torna-se impossível falar de um sem falar do outro. (Kardec, 2014, p. 131).
De acordo com o espírito Nolando, a interação direta com os fenômenos humanos e naturais é uma característica marcante dos sábios druidas, que sempre buscaram ter um contato direto com a natureza e com a essência dos conhecimentos espirituais (Levi Ferraz, 2019). Kardec era um deles. Vamos verificar um dado curioso na vida do professor quando, em uma reunião em que ele estava presente - momentos esses que começaram pela visitação de Kardec à casa da família Baudin - quando um espírito familiar lhe escreve para lembrar de um propósito estabelecido antes de reencarnar, o qual era voltado à transformação moral dos homens. Assim que as reuniões foram tomando um caráter mais sério[10], as informações foram chegando de forma clara e assertiva. Sempre que participava, o educador de almas realizava perguntas que eram respondidas pelos espíritos e iam revelando um conteúdo complexo e lógico. Naqueles anos de pesquisa inicial, algumas informações transformariam por completo a visão desse missionário, que agora recebia instruções de um espírito familiar, como foi o caso de Zéfiro, primeiramente. Eram os primeiros sinais claros de sua herança reencarnatória[11]:
O Espírito que costumava manifestar-se dava o nome de Zéfiro, nome perfeitamente compatível com o seu caráter e com o da reunião. Entretanto, era muito bom e se dissera protetor da família. Se com frequência fazia rir, também sabia, quando preciso, dar ponderados conselhos e manejar, quando se apresentava oportunidade, o epigrama, espirituoso e mordaz. Logo travamos relações e ele me ofereceu constantes provas de grande simpatia. Não era um Espírito muito adiantado, porém, mais tarde, assistido por Espíritos superiores, me auxiliou nos meus trabalhos iniciais. Depois, disse que tinha de reencarnar e não mais ouvi falar dele. (Kardec, 2013, p. 252).[12]
Esse espírito, a muito tempo ligado pela amizade à Hipollyte, chegou a expressar, após o esforço contínuo de pesquisa e escrita por parte do professor para chegar a primeira versão de O Livro dos Espíritos, que, para assinar a obra que acabara de terminar, poderia utilizar o pseudônimo Allan Kardec, que teria sido um dos nomes que usou quando foi sacerdote entre os celtas, sendo naquela época, um druida. (Sausse, 2022). “Os Druidas (Derwydd – em galês) propriamente ditos [...] eram os sábios responsáveis pela nutrição espiritual, cultural e social das sociedades “celtas”.” (Levi, 2019, p. 59). A classe sacerdotal de druidas era composta por homens que buscavam formas de viver mais elevadas espiritualmente, de maneira que buscavam orientar as coletividades as quais faziam parte, eram como verdadeiros guias para o desenvolvimento espiritual que visava repercussões em diferentes aspectos, sejam culturais, sociais, emocionais no povo celta. (Levi, 2019). De acordo com Leon Denis (2024), eles tinham conhecimento da reencarnação, de leis morais, de filosofia oculta, detinham uma percepção aprofundada a respeito da relação do homem com os outros reinos da natureza.
O autor espiritual ainda acrescenta que muitas das pessoas se esqueceram que as bases, as raízes que forjaram e fizeram florescer a Doutrina Espírita muitas das vezes ficaram ocultas, sendo somente compreendidas pelos mais atentos e de coração propenso à Luz. O encontro de Kardec com a França não foi casual ou fortuito, mas resultado de uma longa jornada das almas até o abrir de mais uma etapa do véu de Isis. Tudo que aconteceu, resultado do esforço de um emissário celeste e sua interação com os instrutores da humanidade, foi resultado de um longo processo, dado o
reencontro que há muito se esperava ver nas cálidas memórias da Europa. Nada que se abre se vai sem ser fechado[...]. Assim como nada daquilo que se fecha parte sem ter a promessa da renovação. Tudo obedece a um fluxo constante, uma eterna ressignificação. ”[13] (Levi, 2019, p. 87).
Toda essa abundancia de elementos formadores da Doutrina Espírita ao longo da história nos colocará diante da pureza do coração de Kardec, aquele que sempre foi visto a tratar cuidadosamente dos escritos e pesquisas a serem divulgadas sobre a natureza do espírito e de sua relação com a Suprema Sabedoria. Essa luz bela que o seu entendimento deixou nos indica um ser com grande cabedal de conhecimentos científicos em áreas diversas, mas também revela um amante das sublimes expressões da natureza. Diversas vezes foi visto, entre uma atividade e outra, a se retemperar próximo aos carvalhos e árvores diversas, como a se inspirar para os momentos de divulgação do Espiritismo ou nos próprios escritos. (Levi, 2019). Esse amor por um conhecimento natural, próprio dos druidas, é visto diversas vezes em seu legado. As viagens espíritas de 1862 foi uma grande demonstração de esforço para a divulgação do evangelho de Jesus, da integração do movimento espírita que se formava na época, chegando ele a viajar até a Bélgica para continuidade da expansão do movimento. Essa forma desinteressa de servir, esse amor pelas pessoas que chegavam até ele, essa simplicidade aliada a um criterioso rigor científico nas produções, revelam um espírito forjado no tempo, com tantas experiências de aprendizado a serem creditadas a ele. De acordo com Léon Denis (2024), que recebeu cartas psicografadas do próprio Kardec após o seu desencarne, na data de 23 de Abril de 1926, viu ele afirmar que:
Uma das formas do Celtismo puro é o amor à Natureza; e esta não é o reflexo da beleza e da grandeza divina? Ela proporciona aos homens as mais puras alegrias do espírito e dos sentimentos; ela estabelece uma comunicação através dos globos celestes e das correntes extraterrestres. (Léon Denis, 2016, n.p).
Há, portanto, uma herança dos druidas que foi deixada ao conhecimento espírita, não somente pelas vidas diretamente atreladas a revelação, mas também por conhecimentos que se referem a um processo anterior à Doutrina dos Espíritos. Apesar das tradições célticas terem sido derrotadas na historiografia material dos povos – muito devido a dominação do império romano, que destruiu boa parte da cultura e do povo, como já o dissemos – a luz da sabedoria espiritual celta retornou, com completas renovações e atreladas em uma nova síntese para o conhecimento da universalidade do ensino dos espíritos. É importante destacar, todavia, que isso não quer dizer um retomar das mesmas formas “de manifestação que esses princípios espirituais assumiam entre os Celtas do passado. Não seria um druidismo revivificado. Mas uma ressignificação perante um contexto novo, das mesmas verdades básicas de harmonia” (Levi, 2019, p. 93) O conhecimento da reencarnação, o incentivo à contemplação do belo, do contato com uma dimensão espiritual e uma perspectiva de Deus que não se atrela a ortodoxia da Europa vigente, tudo são manifestações dessa herança. Naturalmente, o Espiritismo não foi resultado somente dessa contribuição, mas de um conjunto imenso de espíritos, ligados a muitas culturas e matrizes de conhecimentos espirituais, lhes caracterizando a fonte de onde os elementos essenciais lhe seriam extraídos.

O próprio Kardec, após o seu desencarne, propôs uma abordagem universalista a respeito das revelações espirituais. Em uma das mensagens psicofônicas recebidas pelo grupo orientado pelo apóstolo do espiritismo, Leon Dénis, ele pontua que as revelações ao homem se deu de muitas formas e em diferentes contextos, mas não necessariamente como uma progressão uma da outra, como se a anterior pudesse ser descartada em suas possibilidades de interpretação e compreensão, mas sim enquanto elementos diferentes que se integram uns aos outros para um entendimento mais profundo da realidade humana, que é uma só, em essência. (Dénis, 2024). Kardec diz que:
Existem em vosso mundo certos pontos fluidicamente privilegiados, que são como espelhos, condensadores e refletores de fluidos, destinados a fazer vibrar as mentes e os corações dos povos do planeta. Sobre esses pontos, três focos se iluminaram: o foco oriental, nas Índias; o foco cristão, na Palestina, e o foco céltico, no ocidente e no norte. Ao estudar a gênese dos fenômenos que concretizaram as doutrinas, vê-se que a causa superior é sempre a mesma e que vosso planeta recebe essas correntes, ou feixes de ondas superiores, que são as artérias verdadeiras da vida universal. (Denis, 2024, p. 131).
Ele precisou reunir três pontos considerados fundamentais de experiências reencarnatórias para a reconstrução de uma síntese básica dos conhecimentos superiores, como é o caso do espiritismo. As experiências entre os druidas, que lhe fortaleceu uma compreensão filosófica profunda, que provavelmente já surgira de suas pesquisas na antiga Atlântida, os seus estágios de atuação no contexto cristão medieval, para reavivar o sentimento da compaixão profunda pelas pessoas, tratando mais diretamente com suas dores e na necessidade das reformas da igreja interna e externa, como o foi o caso de sua vida como Jan Huss, um dos precursores da reforma protestante[14] e sua chegada como Kardec para um empreendimento educacional de almas, onde um velho ensinamento pudesse ser restaurado em suas bases essenciais, e não externas. (Levi Ferraz, 2019).
![O túmulo de Allan Kardec no Cemitério Père-Lachaise em Paris. Créditos da imagem: Wikimedia Commons.[15]](https://static.wixstatic.com/media/58e55e_6ba04a6353224b9ab91e475a8c524cad~mv2.png/v1/fill/w_422,h_317,al_c,q_85,enc_avif,quality_auto/58e55e_6ba04a6353224b9ab91e475a8c524cad~mv2.png)
Naturalmente - vale ressaltar – que a equipe do Espírito da Verdade nem eram somente de hindus, nem de cristãos ou tão somente de druidas, como foi o caso de Kardec, mas isto mostrou que a revelação do Cristo Cósmico não observa barreiras de ordens sociais, mas integra os conhecimentos de maneira a buscar uma compreensão que não está por completo em nenhuma das doutrinas separadamente, mas na essência de todas elas, estruturando uma percepção aguçada da realidade, inclinando o espírito humano à contemplação as estruturas da Luz de modo mais universal.
O princípio fundamental presente no celtismo, segundo Kardec, é o contato direto das pessoas junto à natureza de modo a se conectarem com as forças invisíveis, por isso, tão puro era o ensinamento dos sacerdotes dessa época que, ao longo de algumas gerações, esse conhecimento foi sendo deformado, dando origem a algumas distorções fortes, levando alguns inclusive à barbaridade. O misticismo por parte das camadas populares na Índia, Tibete e outros países, por sua vez, também sofreu alterações ante sua forma original e pura, porque o conhecimento dos mistérios orientais fez grandes vultos da Luz, mas reduziu a percepção de outros a algumas práticas extravagantes e desnecessárias para as coisas essenciais ao desenvolvimento espiritual. Por isso, as lições universais ensinadas pelo Mestre foram e são indispensáveis em qualquer época para o resgatar das emoções humanas a um campo de harmonia e amor. (Denis, 2022).
O conhecimento espiritual compreendido e repassado pelo irmão e instrutor Allan Kardec será, invariavelmente, progressivo e permanentemente enriquecido pelas experiências dos que buscam a sabedoria divina de maneira universal, de modo que a aceitação da realidade da vida superior, aliado a um ideal elevado de amor e sabedoria, auxiliarão no estabelecimento de um equilíbrio profundo entre as realidades material e espiritual, de modo que, de tempos em tempos, novas movimentações de seres contribuíram para uma ampliação segura do conhecimento das leis naturais.
Kardec, o reformador sincero, o mago druida, o cientista do positivismo espírita, o amigo da caridade e servo da revelação do Espírito da Verdade. Certamente que a bandeira oculta da Sabedoria da Luz o iluminou, trazendo ao mundo uma antiga percepção renovada pelo caráter científico de seu tempo. Agora que são novos os tempos, novas informações espirituais sobrevém ao mundo, ratificando as nobres verdades ensinadas em tantos locais e por tantos mestres da humanidade.
Salve Kardec, o sábio druida.
Salve a Luz do Espírito da Verdade!
Salve a Grande Luz!
Raul César
Equipe Cantinho dos Anciãos.
NOTAS
[1] Trecho extraído de uma mensagem dada por Kardec (desencarnado) ao grupo de pesquisas de Léon Denis. Esta assertiva está presente no livro “Um gênio céltico e o mundo invisível” (2024, p. 143).
[2] De acordo com o Espírito Humberto de Campos, em seu livro “Cartas e Crônicas”, Napoleão Bonaparte, tendo sido a reencarnação de Alexandre, o Grande e Júlio César, estabeleceria sobre o mundo uma nova ordem, de maneira que as bases educacionais para a promoção desses princípios seria elaborada pelo seu mestre, que reencarnaria logo após ele, para prosseguimento da tarefa. Napoleão, infelizmente, veio a falhar em parte da missão, o que dificultou, em algumas frentes, o trabalho de seu professor, que posteriormente reencarnaria no ano de 1804, como o venerável francês, Hippolyte Rivail.
[3] O até então general Napoleão, chegou, no ano que contava 1804, a coroar a si mesmo, tomando à força algo que naturalmente iria até ele.
[4] Mesmo com a França passando por um período conflituoso de disputas políticas, pobreza e miséria social em muitas localidades, também era um movimento de efervescência ante as revelações do espiritualismo nascente, isso sem se falar do pensamento cartesiano e pós iluminista da época, criando marcadores de desenvolvimento para a cultura geral da Europa.
[5] Júlio César, (13 de julho de 100 a.C. 15 de março de 44 a.C) foi um general, político e ditador romano.
[6] De acordo com Eder Andrade, em seu artigo intitulado “Kardec e Napoleão” que foi publicado na revista semanal “O consolador”: “Napoleão tinha como principal objetivo lutar contra a tirania dos governos absolutistas que se mantinham hereditariamente nas lideranças dos países, através do uso da força, e valorizar o sacrifício que o povo francês vinha fazendo. Napoleão se deixou arrastar pela vaidade e pelo poder, acabando por reproduzir na França uma forma de governo que ele deveria combater.” (2016, n.p).
[7] Termo gaulês para druidismo. (Levi Ferraz, 2019, p. 87-88).
[8] A cidade de Lyon está localizada no sudeste da França, na região de Rhône-Alpes, no encontro dos rios Ródano e Saône.
[9] De acordo com Sausse (1927), os pais dele seriam descendentes de famílias católicas da região, mesmo sendo o menino Hippolyte tendo uma educação protestante nos processos básicos de escolarização.
[10] Haviam reuniões voltadas somente a brincadeiras, como publicado inclusive em jornais da época, falando de mesas e cadeiras que giravam, saltavam e corriam. Tudo resultado da invasão organizada que a espiritualidade promoveu para chamar a atenção das pessoas para a imortalidade da alma e os grandes ensinamentos que seriam lembrados pelos emissários da época.
[11] De acordo com o espírito Nolando, pela mediunidade de Yuri Levi, Não foi somente Kardec que era um druida, mas um agrupamento grande de irmãos estava ligado a mesma fonte de conhecimento druídico. “Dentre os nomes de maior destaque [...], [era um] que utilizava o pseudônimo Zephyr. [...] Além dele, o amparo encarnado da missão do Espiritismo, o saudoso Léon Denis, fora tanto nos recuados tempos, como na inclinação de sua própria encarnação na França, um Druida por excelência. (Levi Ferraz, 2019, p. 94).[12] L'Esprit qui se manifestait d'habitude, prenait le nom do Zéphyr, nom parfaitement en rapport avec son caractère et celui de la réunion ; néanmoins, il était très bon, et s'était déclaré lo protecteur de la famille ; s'il avait souvent le mot pour riro, il savait aussi au besoin donner de sages conseils, et manier, à l'occasion, l'épigramme mordante et spirituelle. Nous eûmes bientôt fait connaissance, et il me donna constamment des preuves d'une grande sympathie. Co n'était pas un Esprit très avancé, mais, plus tard, assisté par des Esprits supérieurs, il m'aida dans mes premiers travaux. Il a dit depuis qu'il devait se réincarner, et je n'en entendis plus parler. (Kardec, 1912 p. 306-307).
[13] O instrutor Ramatís chega a escrever que teve a oportunidade de conhecer o espírito daquele que posteriormente será chamado de Allan Kardec, ainda na Atlântida, dedicando-se a extensos estudos nos temas da alma humana. Dá para conceber levemente o percurso longo de vidas para empreender tamanho esforço que este espírito fez para se desenvolver em sabedoria e amor.
[14] Jan Hus foi um teólogo e reformador religioso tcheco que viveu entre 1369 e 1415. Ele é considerado um dos precursores da Reforma Protestante, movimento que questionou a autoridade da Igreja Católica e levou à divisão do cristianismo.
[15] A título de curiosidade, essa estrutura erguida sobre o túmulo de Kardec é um é um dólmen Druida. No topo da estrutura está escrita a famosa frase “Nascer, morrer, renascer, ainda, e progredir sempre, tal é a lei”, ou, em três linhas no francês: “naitre, mourrir, renaitre encore et progresser sans cesse telle est la loi” que não é de autoria de Kardec, (Franzolin Neto, 1999) mas foi publicada inicialmente e de modo um pouco diferente pelo poeta Van Goethe e que circulava como um conhecimento comum entre os espiritualistas. Certamente que esta frase está em acordo com o que ensinava esse notável professor. (Neto Sobrinho, 2016).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Eder. Kardec e Napoleão. In O Consolador. Revista Semanal de Divulgação Espírita. Disponível em: <https://www.oconsolador.com.br/ano16/805/ca4.html#:~:text=Napole%C3%A3o%20tinha%20como%20principal%20objetivo%20lutar%20contra,sacrif%C3%ADcio%20que%20o%20povo%20franc%C3%AAs%20vinha%20fazendo>. Acesso em: 02 fev 2025.
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