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O Senhor Krishna e a lição da matemática do Absoluto.


Créditos da imagem: Sarangib - Pixabay.
Créditos da imagem: Sarangib - Pixabay.
Quando você tiver então aprendido a verdade, saberá que todos os seres vivos são apenas parte de Mim - e que eles estão em Mim, e são Meus.[1]
Os homens sem inteligência, que não Me conhecem, pensam que Eu assumi esta forma e personalidade. Devido a Seu pouco conhecimento, eles não conhecem Minha natureza superior, que é imutável e suprema.[2]

Mergulhados na vida humana, as almas vivenciam várias experiências nas quais podem perceber, pelo aprendizado que reconhecem e aceitam, o próprio Senhor da Luz. Cada aprendizado que reconhecemos, pelo axioma que lhe forjou a estrutura, a presença do Criador, veremos se descortinar, aos poucos, uma Unidade que permeia todas as manifestações externas e internas do devir. Para a maioria, existe uma percepção de que, quando uma coisa é dividida ou distribuída em partes menores, ela acaba por esvaziar-se de sua identidade original. De acordo com a instrutora Helena Blavatsky, essa é a maior heresia já contada pelo conhecimento humano, que é a ideia de que as coisas existem separadamente. De acordo com o Swami Prabhupada (1976), os pensadores - de qualquer área do conhecimento - que pregam a divisão, a multifacetação do mundo e dos fenômenos, são chamados de mayavadis, isto é, aqueles que veem a Suprema Personalidade do Senhor como sendo algo completamente sem forma, também chamados de impersonalistas. E, propondo sobre a questão do Absoluto, questão central no Bhagavad Gita, escreve que:

Créditos da imagem: site freepik.
Créditos da imagem: site freepik.
"absoluto significa que um mais um é igual a um, e que um menos um também é igual a um. Este é o caso no mundo absoluto.” (p. 327). 

A questão é que, ainda de acordo com o Swami, quando olhamos para as formas concretas do mundo, seus corpos sólidos, a distribuição da matéria pelo mundo cotidiano e até mesmo pelo espaço cósmico, temos, a primeira vista, a impressão de que há uma fragmentação das coisas, que tudo está separado e facilmente percebido em sua diferença aos demais objetos da percepção. E ainda se pensa, dentro deste mesmo paradigma, que quando um corpo maior se divide em partes menores, seja no mundo concreto ou abstrato do pensamento humano, vive-se uma perda de identidade daquela coisa primeira, que se torna - justamente porque se fragmentou, em um outra coisa, alheia a anterior. Partindo dessa ideia, então o ser humano aplica, por pura arbitrariedade, esse mesmo raciocínio materialista a respeito da Natureza Divina, do mundo Absoluto, o que resulta em formas cada vez mais difusas de se entender a simplicidade e infinitude de Deus. A matemática, como herança de um conhecimento antigo presente na humanidade, é uma das formas possíveis de compreendermos bem essa sentença simples. Por possuir uma linguagem própria, a maneira de expressarmos as particularidades do mundo é através das parcelas de uma operação. 

Estátua de Muḥammad ibn Mūsā al-Khwārizmī, um dos responsáveis por aperfeiçoar, dentro da cultura árabe, o modelo Hindu de numeração.
Estátua de Muḥammad ibn Mūsā al-Khwārizmī, um dos responsáveis por aperfeiçoar, dentro da cultura árabe, o modelo Hindu de numeração decimal. Créditos da imagem: LoggaWiggler - Pixabay

Mas, antes de chegarmos às formulações e representações aritméticas, é bom lembrarmos que, do ponto de vista da historiografia da matemática, de acordo com a pesquisadora Alexandra de Souza (1999), na história da humanidade, dois acontecimentos foram considerados extraordinários - considerando pós descoberta do domínio do fogo e também da agricultura - foi o surgimento da escrita e dos algarismos, precisamente aqueles presentes no sistema Indo-arábico, considerando o zero em sua composição que, aliás, somente se uniu ao conjunto dos numerais posteriormente, quando da incorporação dos árabes ao sistema Hindu de contagem e cálculo.

Com relação a questão dos algarismos e os primeiros que lhes utilizaram para expressar um tipo de conhecimento, o professor Willy Ank Morais, (2017, p. 24), escreve que:

“ a importância prática dos algarismos se reflete pelos principais grupos que lideraram a definição dos sistemas de numeração: os contadores, sacerdotes e astrônomos astrólogos, que antecederam os próprios matemáticos”.

A matemática, por assim dizer, diz respeito a um conhecimento nascido do bojo espiritual dos conhecimentos sacerdotais, como uma forma de medir quantidades que traduzem significados que exacerbam a noção puramente material de representação do mundo. É uma poesia pura, em muitos casos abstrata, de organização da alma humana. De acordo com Platão, a matemática auxilia o espírito humano a ordenar as suas virtudes, a compreender de forma lógica o processo de estruturação do mundo, o que favorece uma disciplina na alma, dando direcionamentos às atitudes e preparando o ser para as ciências contemplativas de uma sabedoria mais ampliada. (Melo, 2010).

De acordo com Morais (2017) o sistema hindu, em vários períodos diferentes, apresentou algumas configurações diversificadas, chegando um determinado ponto em que números extensos poderiam ser descritos ao serem expressos os dígitos seus. O exemplo a seguir ilustra o caso: 3 469 é igual a “três. quatro. seis. nove.” Ou seja, a forma extensa surgiu como uma forma de identificar as parcelas em qualquer ocasião. No caso do elemento zero, ainda de acordo com autor, não poderia ser ocultado ou omitido, tendo em conta que, caso alguém fosse representá-lo de forma extensa, poderia confundir valores. Nesse sentido, foi acrescentado o termo sânscrito śŭnya, que poderia ser traduzido como vazio, ou zero. Desta forma, no caso de um número como 9 603, poderia ser entendido como “nove. seis. vazio. três”. Vale lembrar que a inovação pela presença do vazio enquanto ausência de quantidade na matemática também foi empregada por outros povos, em épocas diferentes, como foi o caso dos babilônios e maias e isso enriqueceu ainda mais o sistema de numeração, tendo em conta que dois pontos compuseram a base do sistema moderno: os numerais: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9; o valor posicional, no sentido de que, a depender da posição de um algarismo dentro de uma parcela ela pode ter um valor diferente, apesar de ser representado da mesma forma e o uso do zero. Isso representou, ainda na visão de Ank (2017, p. 26), uma evolução do pensamento lógico-matemático, ao ponto dessa ciência “permitir o desenvolvimento de regras numéricas para números negativos, utilizar letras para a representação de incógnitas, prever a representação de valores infinitos, considerar números irracionais e ter soluções para equações do terceiro grau”. E, corroborando com este raciocínio, a pesquisadora Alexandra Souza ainda datou alguns documentos que já expressavam essa regra, os quais foram identificados como pertencentes ao século V. “Foi a reunião destas três grandes idéias que produziu o milagre. [...] Seus primeiros exemplos se encontram num tratado de cosmologia com o título de Lokavibhaga, publicado por membros do movimento religioso hindu jainista em 25 de agosto do ano 458 do calendário Juliano (1999, p. 36). Foi esta herança milagrosa que fez com que Fibonacci [3], muitos séculos depois, pudesse, a partir da contribuição dos Árabes, que fizeram expandir esse conhecimento até parte do ocidente, pudesse denominar de Zefir o algarismo zero, tendo em conta que os romanos não representavam a ausência de quantidade.  (Mendonça; Carvalho; Silva, 2024).


Estátua de Fibonacci em um memorial, na cidade de Pisa, Itália. Créditos da imagem: Pandroit - Pixabay.
Estátua de Fibonacci em um memorial, na cidade de Pisa, Itália. Créditos da imagem: Pandroit - Pixabay.

A questão aqui é que, mesmo quando levamos em conta esse avanço, ele ainda no campo da arbitrariedade matemática, do ponto de vista das regras de operações matemáticas que vão desde as básicas até as mais avançadas, interfere nessa estruturação relativa, enquanto que, do ponto de vista do Absoluto, compõem-se como expressão da vasta variabilidade dentro do Todo, que é apenas um. Não há, portanto, nesta última perspectiva, um contraste real de quantidade entre o 0 e o 1, pois ambos estão presentes em uma compreensão que lhes é anterior, ulterior e essencial, para não dizer infinita. 

Quando observamos o conjunto dos números Reais “R”, podemos perceber que, em um plano anterior que lhes caracteriza as propriedades, é a sua própria natureza que se revela, ou seja, trata-se de um processo criativo que descortina sua origem e sua consequência ao mesmo tempo, e isso se torna um indicador do elemento caracterizante anterior a eles. Os números reais, em algumas de suas propriedades mais simples, podem ser comparados entre si, ou seja, há um ordenamento entre eles (que também é o do espírito - na hierarquia - mas não de valores, mas de quantidade de experiências que se consubstancia em um único mistério, no infinito); quando se realiza ainda uma adição com os R, seja dentro de uma expressão numérica mais elaborada ou não, o resultado da soma de dois números reais sempre será um número real; (a episteme que percebe o conhecimento da alma em Deus mantém o conhecimento da alma em Deus), e isto também se dá com a multiplicação dos códigos divinos, que sempre amplificam os horizontes da mesma natureza. Quando se dividem os números reais, o quociente sempre será da mesma substância, (quando se realizam as obras boas, mais a natureza da obra se reafirma). Essas são questões básicas quando falamos dos algarismos “R” e na transposição dessa lógica para a questão do espírito, sem se precisar nos referirmos aos números hiper-reais que geram derivações ou mesmo dos surreais,  isto nos ajuda a pensarmos o quanto a matemática ratifica os elementos da alma humana em relação ao Absoluto.

Créditos da imagem: EvgeniT - Pixabay.
Créditos da imagem: EvgeniT - Pixabay.

São interconexões do espírito humano com a experiência de seu disciplinamento em expansão até a harmonia universal, que é em toda a parte e que totaliza e revela a coisa mais fantástica e complexa: o Um, o Indivisível que ao mesmo tempo se divide em toda a parte, o Único que é vazio, mas que contém todas as coisas. O tudo e o nada, perfazendo-se nas múltiplas configurações das formas relativas.

Vemos que até mesmo em diferentes culturas, aos pensadores que trataram da matemática como uma ciência que ajuda o progresso humano em direção à Luz do Senhor, uma palavra de elogio lhes saiu dos lábios, quando se embebedaram -  mesmo que minimamente - da Grande Fonte.

Consoante às palavras de Ana Melo (2010, p. 66) quando refletindo sobre a obra “A república” de Platão, se referiu aos diálogos de Sócrates com Glauco, um de seus discípulos, quando o filósofo asseverou que a matemática é capaz de elevar o ser “e conduzir naturalmente à pura inteligência, pois impele a alma à especulações acerca de seu objeto, que são os números, objetos tais que apresentam-se sempre confusos e pedindo por conjeturas mais complexas do entendimento.” Essa questão se torna ainda mais interessante quando chegamos a algumas expressões que nos auxiliam nesse processo. 

Um dos profetas abençoados do Senhor Krishna, Sri Prabhupada, escreveu que

" O resultado de receber conhecimento de uma alma auto-realizada, ou seja, daquele que conhece as coisas como elas são, é aprender que todos os seres vivos são partes e parcelas da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Sri Krishna.” (1976, p. 205).

Tudo está e é do Senhor. 

Considerando os elementos retrocitados na compreensão do Absoluto vamos a algumas expressões numéricas:

  • No Absoluto:

1 + 1 = 1 (I)

(1 + 1) + 1 = 1 + 1 = 1 (II)

(1 + 1) +(1 + 1) = 1 + 1 = 1 (III)

  • Logo

1 + 1 + 1 + 1 + 1+... = 1 (IV)

Como a soma infinita de parcelas é infinito em si, termos: 

1 + 1 + 1 + 1 +... = (V)

Assim as equações (IV) e (V) resultam:

         1 = (VI)

  • Isso nos mostra que uma unidade fundadora se estende infinitamente, permeando tudo que existe. 

  • Sobre a Extensão do Absoluto:

    Demonstração:

    Soma-se parcelas:

    3 + 2 + 1 = 6

    Cada valor numérico em si representa uma individualidade (parcela).

  • 1 é uma parcela na operação, assim como os números 2 e 3. Na igualdade podemos assim  escrever: 

    1p + 1p + 1p = 1p → 1 + 1 + 1 = 1

  • O que nos mostra (de forma simplificada) a matemática do Absoluto. 

  • A diferença entre quantidades no Absoluto:

    1 - 1 = 1 (VI)

    (1-1)-(1-1)= 1-1= (1-1) = 1 (VII)

  • Logo

    1-1-1-1-1-1-...= 1 (VIII)

    Mas também a diferença entre infinitas quantidade idênticas resulta:

    (1-1) - (1-1) -...= 0 (IX)

    Assim as equações (VIII) e (IX) resultam:

    1 = 0 (X)

    Devido as equações (V) e (X) podemos escrever:

    0 =

  • O que nos mostra a infinitude da existência. Nada é de fato vazio em si. A ausência é na verdade a manifestação do infinito na sua forma mais sutil. O que nos permite escrever:

    1 = = 0

  • Portanto, a Unidade Criadora se manifesta em todos os planos da existência. A Luz divina se manifesta em todas as coisas.

Créditos da imagem: site freepik.
Créditos da imagem: site freepik.

A entidade que manifesta essa realidade - a Luz - se estende por todas as dimensões do universo, em cada dimensão ela interage de forma diferente, gerando vida, energia, amor e a própria luz. A faixa da realidade humana - a faixa mediana e comum - é própria de nosso mundo limitado de compreensão , ao passo que quanto mais nos aproximamos da verdadeira sabedoria e conhecimento acerca das leis da ordem universal, nos aproximamos do caminho das dimensões superiores e, portanto, de um conhecimento de natureza superior.

Dentre as dimensões do pensamento e do conhecimento que eleva o espírito humano, devemos buscar aquela que nos faz encontrar a Luz Divina em nós mesmos, e não fora. Quando avançamos em espírito, mente e corpo, os segredos da sutileza nos é revelado. O conhecimento do Absoluto é uma chave para tal caminho, descortinando-o de forma gradual.

Ergamos a nossa chama, levantemo-nos em direção à Luz da luz. Podemos, portanto, nos perguntar: como o pensamento, as conjecturas, o saber e a ciência podem estar em todos os lugares e ao mesmo tempo e ainda não estar? Como a Luz de nosso Senhor pode se manifestar em todas essas coisas? Essas são questões que, mesmo perdurando para futuras indagações, pretendemos trazer como objeto de reflexão nos nossos próximos artigos.


Giordanio Novaes e Raul César


Luz, paz e Amor

Equipe Cantinho dos Anciãos. 



Notas


[1] yaj jnãtvã na punar moham evam yãsyasi pãndava yena bhütãny asésâne draksyasy ãtmany atho mayi. Na tradução e adaptação feita pelo Swami, ainda lemos ele descrever da seguinte forma: yat -o qual ; inãtvã - sabendo; na - nunca; punah - de novo; moham - ilusão; evam - assim; yãsyasi - você irá; pãndava - ó filho de Pãndu; yena - através do qual; bhütãni - todas as entidades vivas; asésâne - totalmente; draksyasy - você verá; ãtmani - na Alma Suprema; atho - ou em outras palavras; mayi - em Mim. (Prabhupada, 1976, p. 205).


[2] avyaktam vyaktim ãpannam manyante mãm abuddhayah param bhãvam ajãnanto mamã vyayam anuttamam. E,ainda podemos contemplar a adaptação feita pelo instrutor, quando traduz: vyaktam - não manifesta: vyaktimtim - personalidade: ãpannam - conseguida: manyante - pensam: mãm -a Mim;abuddhayah - pessoas menos inteligentes; param - supremo: bhãvam- estado de existência: ajãnanto - ­ sem conhecer: mamã - Minha; vyayam - imperecível : anuttamam - o mais excelente (Prabhupada, 1976, p. 327).


[3] Leonardo Pisa nascido em 1180 e desencarnado em 1250, segundo Filho e brandemberg (2023) ele viajou pelo oriente, retornando para a sua cidade Natal, Pisa, na Itália com a proposição de um livro, que foi intitulado Liber Abaci, que reuniu os conhecimentos que construiu na região do mediterrâneo. Este escrito foi publicado em 1202.


Bibliografia consultada:


FILHO, José dos Santos Guimarães; BRANDEMBERG, João Claudio. Inovações na aritmética comercial da europa do século XIII. XV SNHM Seminário Nacional de História da Matemática, Maceió - AL, Abril de 2023. 

MENDONÇA, Raquel Gomes Rosa de; CARVALHO, João Bosco Pitombeira Fernandes de; SILVA, Patrícia Nunes da. As escolas de ábaco e a expansão dos algarismos indo-arábicos na Europa ocidental. Revista Brasileira de História da Matemática, São Paulo, v. 24, n. 48, p. 58–74, 2024. DOI: 10.47976/RBHM2024v24n4858-74. Disponível em: http://rbhm.org.br/index.php/RBHM/article/view/412. Acesso em: 28 out. 2024.

MORAIS,  Willy Ank de. Análise da Evolução e Proposta de Otimização da Numeração Indo-Árabe. Seleção Documental - GLPA N.46 Ano 12 (24-31) p.p. Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ATC3 06/ 2017 ISSN 1809-0648 24 Abril/Maio/Junho 2017.

PRABHUPADA, A. C. Bhaktvedanta Swami. O Bhagavad Gita como ele É. São Paulo: Círculo do livro S. A. 1976. Disponível em: https://archive.org/details/bhagavadgitaasitisoriginal1972edition/page/n7/mode/2up. Acesso em: 08 dez 2024. 

SOUZA, Alexandra de. Algarismos.  Florianópolis, 1999. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/96611/Alexsandra_de_Souza.PDF?sequence=1. Acesso em 08 dez 2024. 


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