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Novas escolhas, novos mundos


Os nossos hábitos idealizados, construídos e mantidos diariamente, são como atestados escritos de nossa condição interior diante do tempo cósmico. Essas são preconcepções advindas dos conhecimentos espiritualizados, apesar de, a princípio, não impormos dúvidas, passamos a nos questionar, gradualmente, por maiores compreensões de nossa realidade e como nos inserimos nesse universo. Mas após as análises iniciais, passamos a questionar quais seriam as características e implicações dos hábitos que mantemos no dia a dia? Dizemos isso para que todos possamos pensar na importância de uma auto-observação saudável, amparando-nos coletivamente nos passos que avançam das sombras para a luz, ao longo da nossa própria caminhada e da nossa história.

Podemos entender o próprio destino humano como sendo organizado na dimensão dos pensamentos, sustentadas nas palavras e mantidas pelas ações de cada um e coletivamente.


Essas três instâncias compreendidas em um mesmo fenômeno, que corresponde ao livre-arbítrio, são depreendidas, com uma certa facilidade pelo observador atento de seus pensamentos, de suas palavras e de suas ações. Contudo, alguém que tenha, por exemplo, uma mentalidade exageradamente apegada a autoimagem, fomentando um fazer constante baseado em personalismo extravagante, poderá encontrar grandes dificuldades em sua relação com as pessoas.


Isso porque, inicialmente, em seus pensamentos, o sujeito poderia sofrer por não ter os seus caprichos atendidos; posteriormente, através da expressão da linguagem, no momento em que essa massa psíquica, os pensamentos, se manifestassem, poderiam se tornar pequenas frases ou grandes discursos de revolta, arrogância, tristeza ou acusação; e por fim, na medida em que a linguagem progredisse com esse teor instável, a partir dos pensamentos e das palavras utilizadas, as atitudes poderiam, sem a intervenção, orientação e recepção adequada do meio, culminarem em gestos grotescos ou maliciosos.


Essa mesma conjunção de posturas mentais, orais e gestuais, também podem seguir um caminho completamente diferente. Uma senda de luz, paz e sabedoria. Assim como se pode pensar mal a respeito de alguém, também se pode pensar o bem. E não soa tão mais ameno pensar na liberdade do pássaro que voa para ajuntar-se a sua revoada do que naquele que chora sozinho ao cantar por essa libertação dentro de uma gaiola? E não se expande em beleza e suavidade uma palavra branda que anuncia o raiar do sol no horizonte do que a penúria que evoca uma melancolia crepuscular? E não é mais sublime a ação suave de um braço amigo que ergue quem caiu do que um dedo indicador em riste a acusar o caído?


Rabindranath Tagore em Calcutá, 1909

O poeta Rabindranath Tagore se referiu a essa expressividade sensível e serena que brota no canal invisível do Coração Eterno até os lábios dos seres, incentivando as almas a uma imersão no fluxo da Fonte Eterna, quando disse:


“[...] mergulha nos rios transparentes das suas palavras e ausculta-lhes os sentimentos escondidos pela suavidade das suas canções”. (2009, p. 6).


Quem alimenta a atmosfera dos juízos com a harmonia de uma canção divina, constrói a trilha de retorno a sua essência verdadeira.



Aprimorar o gosto para contemplar o além-das-coisas[1], de alguma forma, é ser um buscador em vias de perceber a insistência constante do universo em fazer com que essas mudanças promovam a mesma melhoria para todos. Assim, pode-se entender a vivência pela simplicidade ao se espalhar o amor àqueles que estejam debilitados pelas dificuldades de suas jornadas evolutivas. O ser que se contenta em fazer apenas o necessário para o bem de todos, já se encontra no caminho reto para acessar algum nível de sabedoria. Para operar essas transformações interiores e exteriores, podemos começar por um bom pensamento, uma boa ideia, e então, tudo o que lhe for decorrente, surgirá de forma natural.

Assim foi descrito no Dammapada[2]:

Sublimar os hábitos é como acessar uma nova compreensão da vida, é um salto em direção a serenidade da eternidade. A cada dia mais, portanto, é uma oportunidade de rompimento com a visão egoísta de mundo, para um desaguar no oceano amoroso do bem coletivo, que é sempre organizado, constante e desinteressado de si mesmo.


Luz e Paz do Cantinho dos Anciãos,


Raul César


Notas: [1] Utilizamos esta expressão para nos referirmos a tudo aquilo que é eterno, imutável, imperecível. É a contemplação do imaterial. [2] Obra que compreende um conjunto de versículos ou versos dos ensinamentos budistas. Alguns sugerem que além da doutrina ensinada no Dhammapada, também a escrita advém do próprio Buda, Sidarta Gautama. No cânone da doutrina budista o termo em sânscrito Dharmapada e no páli, esta última utilizada por Buda, Gautama, significa Caminho do Dharma. O Dhammapada é um texto agrupado em versos e sua forma e organização compõe 423 estrofes, sendo o texto budista mais conhecido e traduzido no cânone da Tradição Teravada.


Bibliografia:

Dhammapada: caminho da lei; Atthaka: o livro das oitavas: doutrina budista ortodoxa em versos/tradução, adaptação, prefácio e notas: Georges da Silva. – 2 °ed. – São Paulo: Editora Pensamento; Cultrix, 2020.


FRANCO, Divaldo Pereira; TAGORE, Rabindranath. Pássaros Livres. - 4° ed – Salvador: Editora Leal, 2009.

 
 
 

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