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Ibn Arabi e as lições do Messias, Selo da Santidade Universal

Atualizado: 20 de ago. de 2024

Da série de três artigos:

A luz do pensamento árabe.

- Texto 01 -


Créditos da imagem: pixabay


A existência humana somente se amplia, em termos de consciência espiritual e moral, após estar segura de que o coração do Senhor lhe oferece um crivo abençoado para que sua força seja duradoura. O ato de pensar no bem revela  sublimidade e beleza, e isso faz o ser recolher as flores infinitas de expressão doce e delineadamente formosas da bondade, através do sentir, e esse pensamento se projeta sempre para a coletividade. Ninguém que viva o bem quer viver somente para si, mas anseia que todos possam acessar, mesmo que em níveis diferentes, a mesma sensação ou compreensão. Alguns homens e mulheres tomaram a tarefa de serem mensageiros da Luz, atuando sobre determinados contextos para trazerem algum produto do pensamento que pudesse ajudar a humanidade, uns foram chamados santos, outros, sábios, outros além, gênios.

Um gênio, na verdade, é um homem simples que, pelo otimismo, percorreu um tanto mais na direção do sol interior. Por isso eles são chamados poucos, porque suas almas são imperceptíveis, são invisíveis aos olhos dos que se afastaram da chama sagrada que arde por toda a eternidade e esses, por sua vez, infelizmente, ainda são muitos. Do homem há sempre uma ponte para o coletivo, por isso, nos momentos mais desafiadores, vê-se um conjunto de luzes que se aglomeram, cada um com seu brilhante sentimento, depositando remédio sobre o ferimento moral da humanidade. As luzes são diversas, porque muitos são os Nomes Divinos. A luz desce do céu como chuva e o erro é como uma sombra sozinha, ao pé de uma passada perdida, dada por alguém que esqueceu de si. 

Essas coisas são ditas como maneiras de revelar o Um da Luz, expressão máxima do Todo, que é percebida inicialmente de forma múltipla, assim como todos os outros numerais que estão para além do algarismo “um” também o são. Sem o um que manifesta uma quantidade totalizante entre os numerais, todos os outros termos, em números naturais ou não, derivam dele, expressando-o de formas distintas, porque tudo o que existe é um reflexo variado de Deus. 

Ibn Arabi[1], diz:


Em cada coisa Ele tem um Sinal, indicando que Ele é o Um.

( Hirtenstein, s. d., p. 30).


Reconhecer estes elementos numa grande face da Verdade de Deus, o Deus amor em tudo e todos, é uma forma renovada de abrir-se para uma vida de aprendizados. Se temos Deus em nós, que mais importa? Que diremos mais aos que disputam por Ele, tentando lhes igualar a força, perdendo o controle de si? Diremos sim que seu coração quer alcançar a Deus, mas que força é essa que não ama a tudo e a todos antes de qualquer demonstração de poder para querer ser? É sempre bom lembrar que, para o bem, basta uma atitude, para a Luz, basta tudo e nada, basta o suficiente para lhes entender o profundo mistério. 

Entender a unicidade e pluralidade da expressão de Deus, para Ibn Arabi, tem a ver com ser uma pessoa simples e pura de coração. O sábio chegou a afirmar, inclusive, que a realidade do mundo, o “Real” em verdade, é um dos nomes de Deus. A observação dessa dimensão pura das coisas e da criação do que existe pode ser contemplada de forma mais clara quando se segue a senda dos sufis[2], quando o ser vai se tornando um “homem universal”.

Assim, dentro de uma compreensão extensa da vida, vimos um dos instrutores espirituais da humanidade ser chamado para descer ao planeta e pacificar, pela sabedoria divina, o coração aflito dos sobrecarregados, sejam Sunitas[3] ou Xiitas[4], sejam do Leste ou Oeste[5], para uma Unidade Absoluta de renovação pela ilimitada expressão da Compaixão do Senhor.

Assim disse o instrutor, no encantamento de seu espírito pacificado, sobre aquele que busca trilhar a senda que conduz ao Pai:


“Ele viu o relâmpago no Leste e ansiou pelo Leste; mas se tivesse relampejando no Oeste, teria ansiado pelo Oeste. Meu desejo é pelo relâmpago e seu brilho, não pelos lugares e pela Terra.” (Hirtenstein, 2006, p. 276).


Assim foi com o instrutor Ibn Arabi, nascido em Múrcia, na atual Espanha, que aprendeu com instrutores de seu tempo, uma vez que teve acesso a uma educação religiosa e espiritual profunda, vivenciou e relatou ao mundo as experiências espirituais riquíssimas que viveu, desde a mais tenra idade, até sua velhice, diante das mais de 700 obras dentre as escritas e as atribuídas a ele, sobre os mais variados temas, mostrando o caminho do amor que conduz o ser humano até Allah, o Deus misericordioso, compassivo. 


Exterior da mesquita Ibn Arabi, erguida na cidade de Damasco, na atual Síria, cidade onde o profeta viveu boa parte de sua vida.

Créditos da imagem: Asociación Sufí Murciana “El caminho del corazón”


A compaixão não pode ser percebida senão no reflexo que vemos do Criador, e esse reflexo se torna tão mais fidedigno quanto mais pura for a intenção de alguém ao praticar o bem. As primeiras faíscas de esperança abrilhantam os olhos do buscador quando as observa em si mesmo ou através de uma boa ação de alguém. Pequenas atitudes são pequenos reflexos da imagem de Deus. Na medida da prática constante, a revelação vai se tornando uma luz ainda mais forte, conquistada de dentro para fora. É uma verdadeira busca espiritual que se projeta para além do próprio espírito. Toda busca que tenta se legitimar primeiramente por fora sempre perde o caminho da fonte que a alimenta. Sua exterioridade é cansativa e sua essência fica momentaneamente vazia, mas a busca iniciada de dentro, expande-se, gradualmente, de tal modo que, em certo instante, exala sua potência com tranquilidade e modéstia. Assim fica fácil reconhecermos um verdadeiro mensageiro de Deus, que são aqueles irmãos e irmãs que trazem uma compreensão que auxilia toda a humanidade a desenvolver-se para a Luz. (Hirtenstein, 2006). 

Esse encontro da alma humana com a sabedoria primordial do Supremo nos leva a compreensão de que tudo o que existe, neste mundo e no outro, dá glórias à criação Dele. As coisas vivem para manifestar sua profunda gratidão pela vida, oferecendo o que possuem de melhor Aquele que tudo criou. Todas as estruturas de nosso planeta, seus planos múltiplos de realidade, os seres da natureza, e todos os que manifestam a força viva de viver, reconhecem isso. 



Está escrito no Alcorão:


“Os sete céus, a terra, e tudo quanto neles existe glorificam-No. Nada existe que não glorifique os Seus louvores![...] Sabei que Ele é Tolerante, Indulgentíssimo.”

Alcorão (17/44).


Após o Senhor, sua criação, suas leis e vida são manifestadas, seus mensageiros primeiros e a expansão do Ser para todas as coisas que podemos conceber. Assim, para o nosso povo - neste mundo - alguns seres foram fundamentais para a presença e a compreensão do chamado divino para o reconhecimento do homem na sua conexão com a Luz. 

Dentre aqueles portadores da revelação, uma das representações mais sublimes da mensagem de Allah aos homens foi, segundo Ibn Arabi, o Senhor do Selo da Santidade Universal,  como foi chamado o Senhor Issa[6], a quem o instrutor teve como o seu primeiro mestre, com quem aprendeu as lições do desprendimento e da compaixão. No alcorão, não à toa, vemos 25 menções ao Mestre, que desde o princípio revelou muitas coisas ao profeta sábio de Múrcia, durante as visões espirituais que ele tinha. Nas lições do Alcorão, observamos pela tradição da religiosidade formal dos irmãos muçulmanos, um profundo respeito e admiração à sua imagem e presença entre nós. Em uma passagem de revelação à Maria, mãe do Senhor, quando os anjos lhe disseram, após lhe escolherem como a portadora da graça que traria luz ao pensamento dos israelitas daquela época e de todos os que lhes ouviriam a palavra pura de fraternidade no futuro, lhe disseram:


“Ó Maria, Allah te anuncia o Seu Verbo, cujo nome será o Messias, Jesus, filho de Maria, nobre neste mundo e no outro, e que se contará entre os próximos de Allah”

(Alcorão 3/45)


Representação pictográfica de uma antiga miniatura de origem persa. Maria (Mariam) e Issa (Jesus)

Créditos da imagem: site história medieval


Certamente que uma surata inteira dedicada a Maria[7], mãe de Jesus, seria um sinal claro de admiração do povo árabe ao Peregrino da Alvorada e sua descida à terra para um serviço de grande importância. Assim entendeu o instrutor e escriba de Mohammed. Por isso, o amanhecer de ideais que pulsava na mente de Ibn Arabi se fundiram em uma grande síntese do que foi a revelação do monoteísmo em sua perspectiva, aquela mesma que foi passada a Moisés, no Monte Horeb, e que foi articulada primeiramente por Pai Abraão, na visão islâmica. O revelador, em seus escritos, registra então um encontro espiritual no mínimo maravilhoso, após uma de suas viagens espirituais:


“Quando retornei para este Caminho, eu o percorri por meio de uma visão num sonho (mubashshira) sob a direção de Jesus, Moisés e Muhammad.” (s. d., p. 55).


Como se uma terra ressecada por muitos anos tivesse tido acesso a uma chuva a lhe abarcar sua mais completa extensão, trazendo vida e instigando a renovação de suas forças, o ensinamento lhe penetrou a alma, lhe fez vibrar na faixa amorosa da receptividade da Luz, da ação preenchida de pureza, de amor profundo e arrebatador. E isso provocou um caminhar extenso de reflexões do filósofo e sábio do Islã. Sua reverência e admiração ao Mestre era tamanha que , inclusive, chegou a escrever que teve:


“muitos encontros com ele em visões e pelas suas mãos voltei-me a Deus. Ele orou por mim para que eu me firmasse na vida religiosa (din), tanto neste mundo como no outro e chamou-me de amado (habib). Ordenou-me a prática da renúncia (zuhd) e do desprendimento (tajrîd).” (s. d., p. 55).


Na simplicidade de uma pena bem orientada, vemos o despertar do profeta ao receber as instruções do que lhe cabia fazer ante expectativa tão intensa de sua parte. O instrutor Arabi, após encontros reveladores como esses, reconheceu que só existe um caminho para a santidade: à submissão à vontade de Deus, que é sempre soberana - este é um processo de natureza muhammadiana. Este movimento é selado pelo caminho que foi orientado pelos homens de Deus, é o selo único que não corresponde a diferentes eras, mas só há um em todo o orbe, e seu profeta, para os irmãos muçulmanos, foi chamado Maomé entre os homens, porém, não sendo somente ele o representante do Senhor, pelo fato de que há, nas palavras de Ibn:


“também, outro Selo, com o qual Deus selará a santidade universal, que vai de Adão ao último santo e este é Jesus, o Selo dos Santos, que sela o ciclo da Realeza.” (s. d., p. 132).


Por isso, é bom recordarmos que há sim o tempo dos profetas, e eles profetizam em nome da Luz para o Mundo, Deus, nosso Pai, mas, adiante desse período dos anunciadores, surge um novo tempo, que é o espaço-tempo do cumprimento das profecias, onde todas as coisas previstas pelos homens santos serão cumpridas e nenhuma delas passará a não ser pelo direcionamento do Misericordiosíssimo e, então, o ciclo da realeza se cumprirá sobre toda a Terra, erguendo todos os caídos, fazendo passar para a Luz os esforçados e os que aprovaram seus próprios corações para o Reino de Allah, que sempre será de amor, porque sua amorosidade é ilimitada e sua compaixão não tem fim. Esse será o tempo do selamento de tudo quanto foi predito pelos anunciadores, será o tempo da reunião de todos os irmãos em humanidade sob a bandeira da Grande Luz.


“Portanto, ele [Jesus] descerá como um santo, possuindo profecia ilimitada, que ele compartilhará com os santos Muhammadianos – pois ele é um de nós e é nosso mestre!” ( s. d., p. 141).


Créditos da imagem: Pixabay


Do mais lindo fulgor celeste, de dentro da substância mais pura e simples do coração dos homens, o Senhor do Selo da Santidade Universal novamente reunirá em torno de si os buscadores da Verdade - Salve, Allah - e lhes ensinará, como no ensinamento de Ibn Arabi justificado no Alcorão, sobre o sinal claro da aproximação do dia do Juízo, que é o encontro consciencial da humanidade consigo mesma. Pouco antes desse reencontro com o Mestre, haverá um instante de grandes provações para todos os seres, pois que, ainda de acordo com a palavra alcorânica, Masih ad-Dajjal[8] estará atuando sobre as coletividades. Após esses momentos de dores, a Verdade que vem com a majestosa profecia ilimitada do Mestre, vencerá a falsidade e, assim será um período de justiça e paz sobre todo o planeta, e os povos de todo o planeta se reunirão em uma única bandeira, sendo todos reconhecidos um pelos outros como filhos de uma mesma origem, separados apenas pelas limitações de seus raciocínios que, uma vez expandidos, realizam a maior de todas as transformações, a do próprio espírito, erguendo-se para a restauradora universalidade. 


Salve Nu (Noé), Ibraim (Abraão), Muça (Moisés), Issa (Jesus) e Maomé!

Salve todos os profetas da Luz!

Salve a Grande Luz!


Raul César

Equipe Cantinho dos Anciãos


Notas


[1] Muhammad b. ‘Alî b. Muhammad b. al- ‘Arabî al-Tâ’ î al-Hâtimî, como assinava seu nome, nasceu em Múrcia, no sudeste da Espanha, durante o último florescimento de al-Andalus. De acordo com Castro (2014, p. 26), “O pensamento de Ibn Arabi insere-se na filosofia neo-platônica, na Teosofia especulativa, na metafísica do sufismo, na tradição abraâmica, herdeiro da filosofia antiga, do pensamento grego, do mundo irariano, da tradição judaico-cristã” e ainda assim é um dos mais célebres árabes.


[2] Sufi é toda pessoa que pratica o sufismo. Nas palavras de Castro (2014, p. 19) o sufismo “consiste, de modo geral, na série de experiências pessoais, na busca da aproximação do ser e da realidade última, procurando atingir a consciência dessa realidade, fundindo-se e aniquilando-se nela. Portanto, nesse sentido, o sufismo é, no Islã, a via que conduz do individual ao universal, do múltiplo ao universal, da aparência a essência e, dessa forma, reúne-se às outras tradições místicas como o hinduísmo, taoísmo, o budismo, a mística cristã, o mazdeísmo, a mística judaica, a cabala.”


[3] De acordo com Nasr (2006) apud (Palazzo, 2014, p. 163) o termo Sunita é uma “abreviação de ‘ahl al-sunnah wa’l-jama ah’ (povo da tradição e do consenso)” este termo foi utilizado pelos irmãos muculmanos para se referirem a parte do povo que, após o desencarne de Muhammad (que a paz esteja com ele) e seu primo, genro e sucessor Ali, que foi o quarto na linhagem de sucessão, após Abu Bakr, Umar e Uthman,  concordarem em dar prosseguimento à linha sucessória de comando do califado através das alianças políticas, portanto, uma linhagem que não necessariamente se davam através da consanguinidade.


[4] Quando os quatro primeiros líderes após o profeta do Islã terminam sua jornada terrestre, aqueles que foram chamados “califas bem guiados” (2014, p. 4), viu-se, na região, um acirramento das disputas em torno de qual deveria ser o método de escolha dos sucessores do profeta de Allah, ao que o grupo dos partidários de Ali,  xiit’Ali, passaram a ser denominados de Xiitas, pois acreditavam que somente descendentes diretos da consanguinidade do fundador do Islã é que poderiam dar continuidade a sua mensagem. (Palazzo, 2014).


[5] Onde o sol nasce e onde o sol se põe. Para o conhecimento islâmico, a direção física até Deus era - como ainda é para alguns - importante. Para ibn Arabi, Deus está em tudo, em todas as direções. Segundo ele, o Leste é o nascimento das formas da matéria criada por Deus, e o Oeste é a essência da pureza do Senhor. (Hirtenstein, 2006).


[6] Nome árabe que se reporta ao Senhor da Luz na sua vinda ao mundo como Jesus de Nazaré. É mencionado no Alcorão como “Issa Ibn Mariam”.


[7] 19° surata do Alcorão, denominada “Mariam”. O capítulo contém 98 versos.


[8] Termo árabe para se referir a um falso messias que virá ao mundo.


REFERÊNCIAS


CARABALLO, Simon Alfredo. Meu grande amor por Jesus me conduziu ao Islã. (s.d.) Disponível em: <https://irp-cdn.multiscreensite.com/1658c7c9/files/uploaded/Meu%20Grande%20Amor%20por%20Jesus%20me%20Conduziu%20ao%20Islam.pdf.> Acesso em: 05 ago 2024. 


CASTRO, Ana Carolina Pinheiro e. Os engastes das sabedorias. A metafísica do real em Ibn'Arabi. 2014. Dissertação (Mestrado em Estudos Árabes) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, University of São Paulo, São Paulo, 2014. doi:10.11606/D.8.2014.tde-15052015-095747. Acesso em: 4 ago. 2024.


HIRTENSTEIN, Stephen. O compassivo ilimitado: a vida espiritual e o pensamento de Ibn ‘Arabî. Editora Fissus, 2006. 


HAYEK, Samir el. Os significados dos versículos do Alcorão Sagrado. (s.d). São Paulo. 


PALAZZO, C. L. As múltiplas faces do islã. Saeculum, [S. l.], n. 30, 2014. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh/article/view/22242.> Acesso em: 6 ago. 2024.


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